Trilho de ruínas
Patrimônio. Com o fim do transporte de passageiros por trens de longo percurso, áreas foram abandonadas e sofreram saques e depredações. Hoje, menos de 50% das estações continuam em pé, segundo a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF)
O Ministério Público Federal quer que a União recupere estações ferroviárias abandonadas no interior de São Paulo. O Estado chegou a ter 500 estações, como a de Avaí, que foi chefiada por Pedro Mendes Neves, de 77 anos (foto). Somente metade desse patrimônio continua em pé.
No auge das ferrovias, em meados do século passado, o Estado de São Paulo chegou a ter cerca de 500 estações ferroviárias. Com o fim do transporte de passageiros por trens de longo percurso, durante a década de 1980 e início dos anos 1990, parte desse patrimônio ficou abandonada e, quando não sofreu saques e depredações, acabou ruindo por falta de conservação. Hoje, menos de 50% das estações continuam em pé, segundo a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF).
Uma ação do Ministério Público Federal (MPF) quer agora que a União promova a recuperação de estações ferroviárias abandonadas em seis municípios da região de Bauru, interior de São Paulo. A ação pede ainda que sejam regularizados imóveis ocupados indevidamente e seja dada uma destinação “eficiente, moral e legal” ao patrimônio. O pedido, levado à 1.ª Vara Federal de Bauru, engloba estações e trilhos das cidades de Agudos, Avaí, Cabrália Paulista, Duartina, Pederneiras e Piratininga. Ações semelhantes já foram propostas em São Paulo, Itapeva e Sorocaba.
Os bens, que hoje pertencem à União, integravam o patrimônio das extintas Ferrovia Paulista (Fepasa) e Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Os inquéritos abertos pelo MPF identificaram áreas e imóveis invadidos, depredados e abandonados. O procurador da República André Libonati, autor da ação em Bauru, disse que o processo se restringe aos imóveis sem uso pelas concessionárias. De acordo com ele, casas e estações podem ser utilizadas pelas prefeituras, que se incumbiriam da conservação, enquanto os terrenos se destinariam a parques e moradias populares – ou leilão.
Em Pederneiras, o prédio da estação da Paulista, de 1913, no centro da cidade, foi recuperado pela prefeitura e, além de virar sede da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, abriga um centro cultural. Em um antigo depósito da ferrovia, restaurado, funciona o teatro municipal. “O conjunto estava abandonado até 1998. Agora é o cartão-postal da cidade”, disse Joaquim Bueno, responsável pela segurança do prédio.
Mas na maioria das cidades o que se vê é o abandono. Na mesma Pederneiras, a antiga estação ferroviária de Guaianás, de 1910, foi saqueada até o último tijolo. Restou em pé parte das colunas metálicas que sustentavam a cobertura da plataforma. A área está ocupada por 80 famílias de um movimento social. “A gente estava em um acampamento à beira de uma rodovia e o terreno aqui não tinha uso”, disse o lavrador Valdinei Ribamar, de 35 anos.
Em Avaí, a estação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, instalada em 1906, está em ruínas. Até portas e janelas originais do prédio foram saqueadas e o interior virou depósito de lixo. “Aqui foi o coração da cidade, com um movimento grande de gente e de cargas. Hoje é só tristeza”, diz o aposentado Pedro Mendes Neves, de 77 anos, o último chefe da estação.
Em setembro de 2017, a prefeitura enviou documentação ao governo federal pedindo a cessão do prédio, mas o processo ainda tramita, segundo o assessor de gabinete Fabrício Berbel. “Vamos reformar e instalar ali nosso museu histórico.”
Outras ações do MPF versam sobre o abandono do patrimônio. Em São Paulo, uma ação civil pública iniciada em 2014 pede a reativação do ramal ferroviário Santos-Cajati, que operou com transporte de passageiros até 1997. A empresa Rumo, concessionária da malha paulista, informou que a reativação da ferrovia não se encaixa na concessão. Das 40 estações, restam 12, algumas descaracterizadas, como Itanhaém e Juquiá.
Em 2015, o MPF entrou com ação para obrigar os órgãos da União e o município a restaurar o conjunto da Estação Ferroviária de Itapeva, no sudoeste paulista. O prédio foi construído em 1909 pelo arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, que também projetou a Pinacoteca e o Teatro Municipal de São Paulo. Na época, a prefeitura alegou falta de verba para investir no imóvel. A ação não teve julgamento definitivo e o prédio, abandonado, ameaça ruir.
Em Sorocaba, o Ministério Público Estadual moveu ações para a recuperação do conjunto da Sorocabana, construído há 143 anos. No fim de 2005, o prédio da estação e os armazéns do entorno foram cedidos à prefeitura. Um dos armazéns abriga o Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba. O prédio principal continua abandonado.
Turismo. A ABPF ainda conseguiu recuperar trechos ferroviários instalando trens turísticos, como o de Campinas-Jaguariúna. No Estado, 45 estações e conjuntos ferroviários foram tombados pelo patrimônio estadual. Mais 27 estão em estudo.