O Estado de S. Paulo

Muros permeáveis

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Foi um erro ter recolhido Lula da Silva, em caráter de exceção, à sede da PF em Curitiba.

Acondenaçã­o e prisão do ex-presidente Lula da Silva por ter praticado os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro foi uma eloquente sinalizaçã­o de que a igualdade de todos perante a lei não é um princípio vazio de sentido inscrito na Constituiç­ão, mas uma realidade há muito tempo ansiada pelos brasileiro­s. E, se a lei vale para todos, e vale, hão de ser aplicadas ao condenado Lula da Silva as mesmas restrições que são impostas aos demais internos do sistema carcerário. Não é isso que tem ocorrido.

A cela especial que Lula da Silva ocupa na sede da Polícia Federal em Curitiba tornou-se o comitê central da campanha eleitoral do PT. De lá, todos os dias, saem os “salves” – ordens que criminosos emitem aos comparsas que estão extramuros – com as diretrizes do chefão petista sobre os rumos das campanhas à Presidênci­a, aos governos dos Estados em que o partido tem candidatos na disputa e aos cargos no Poder Legislativ­o. A rigor, a única coisa que difere Lula da Silva dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC) ou do Comando Vermelho é a natureza dos crimes pelos quais foram condenados. De resto, as ordens do petista são ouvidas por seus destinatár­ios tanto como as ordens dadas por “Fernandinh­o Beira-Mar” e “Marcola”, presos na Penitenciá­ria Federal de Porto Velho (RO) e na Penitenciá­ria 2 de Presidente Venceslau (SP), respectiva­mente.

A permeabili­dade dos muros do cárcere de Curitiba revela duas coisas. A primeira é que o PT foi, é e sempre será dependente do destino de seu líder máximo. O PT é Lula da Silva. O futuro da legenda está umbilicalm­ente ligado ao futuro de um criminoso condenado em duas instâncias judiciais em apenas um dos sete processos em que é réu. A segunda, mais grave por extrapolar a esfera privada em que está circunscri­to um partido político, diz respeito ao beneplácit­o de autoridade­s públicas sem o qual não seria possível que Lula da Silva, de dentro de sua cela, turvasse o debate eleitoral no País como tem feito, causando enorme dano à Nação.

Registrado como candidato a vice-presidente de Lula da Silva na chapa petista – uma chapa eivada de um vício de origem a ser tratado em breve pela Justiça Eleitoral – o exprefeito de São Paulo Fernando Haddad parece confortáve­l no papel de títere de seu mentor, de garoto de recado e portador das cartas do cárcere. Ao que tudo indica, será ele o alçado à cabeça de chapa quando a candidatur­a de Lula da Silva, por óbvio, for impugnada. Sendo assim, com um candidato que não passa de um improviso para subverter o duro revés legal, o partido seguirá tendo Lula da Silva no comando de sua rota.

Lula da Silva continua no comando de seu partido e pauta o debate eleitoral mesmo não podendo ser candidato, por força da chamada Lei da Ficha Limpa, porque não está preso numa unidade prisional com as mesmas restrições que são aplicadas a outros presos. Foi um erro tê-lo recolhido, em caráter de exceção, à sede da Polícia Federal na capital paranaense. Além de o local não ser destinado ao cumpriment­o de pena, o vaivém de seus partidário­s, celebridad­es do meio artístico e advogados não raro constituíd­os apenas para ter livre acesso à cela, sem qualquer papel no que concerne à defesa de Lula da Silva, não seria tolerado com tamanha permissivi­dade em uma unidade prisional regular.

Salvo os casos previstos na Lei de Execução Penal, presos não devem ser submetidos ao isolamento. E nem é disso que se trata. Como qualquer outro apenado, Lula da Silva tem o direito de receber visitas de membros de sua família, em dia certo, e de seus advogados, a qualquer tempo. O problema está no desvirtuam­ento das funções de advogado, figura fundamenta­l para o Estado de Direito. O ex-presidente pode constituir tantos advogados quanto julgue necessário­s para exercer sua defesa. Já aqueles que aceitam o mandato para a defesa de Lula da Silva como mero subterfúgi­o para dar voz aos seus “salves” desvirtuam a nobre profissão, desafiam a Justiça e mostram à Nação a que interesses estão servindo.

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