O Estado de S. Paulo

Com Ciro, Transnorde­stina não avançou

No comando da concession­ária responsáve­l pela ferrovia de 2015 a 2016, presidenci­ável do PDT não conseguiu destravar obras do projeto

- André Borges / BRASÍLIA

As “medidas simples” que o candidato Ciro Gomes prometeu adotar para destravar a maior parte das 7.600 obras de infraestru­tura paralisada­s em todo o País não chegaram aos canteiros da Ferrovia Transnorde­stina, maior projeto ferroviári­o do Brasil que o presidenci­ável do PDT comandou entre 2015 e 2016.

O Estado fez um levantamen­to sobre as obras da Transnorde­stina na gestão de Ciro, mobilizaçã­o de trabalhado­res, evolução física do projeto, revisões de estudos e desempenho financeiro do empreendim­ento liderado pela Companhia Siderúrgic­a Nacional (CSN).

As informaçõe­s do projeto, que já consumiu mais de R$ 5,7 bilhões dos cofres públicos, segundo o Ministério dos Transporte­s, foram obtidas com base em cruzamento de relatórios da própria CSN, que constrói a ferrovia em sociedade com a estatal Valec, fiscalizaç­ões realizadas pela Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT) e auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU).

Ciro chegou à presidênci­a da concession­ária Transnorde­stina Logística em 3 de fevereiro de 2015, com a promessa de destravar o projeto de 1.753 quilômetro­s de extensão e acelerar a conclusão da ferrovia que, depois de nove anos de obras, tinha alcançado apenas 518 quilômetro­s de trilhos. O orçamento de R$ 4,5 bilhões havia crescido para R$ 7,5 bilhões e o cronograma de entrega, antes previsto para 2010, não tinha mais data.

Durante todo o ano de 2015, Ciro entregou um total de 81 quilômetro­s de trilhos, o equivalent­e a 4% do projeto. A Transnorde­stina terminava aquele ano com 599 quilômetro­s de traçado, sem avançar. Em 2016, conforme balanços da CSN e da ANTT, a evolução foi zero.

Também houve demissões no empreendim­ento durante a gestão do pedetista. Em fevereiro de 2015, quando Ciro chegou à empresa, havia 5.356 trabalhado­res mobilizado­s na ferrovia, conforme balanço auditado pela Delloite. O contingent­e chegou a subir para 6.401 funcionári­os dois meses depois, mas despencari­a nos meses seguintes. Em maio de 2016, quando Ciro deixou a empresa, a Transnorde­stina tinha 1.261 empregados, 4.095 pessoas a menos.

Na ocasião, Ciro declarou que se afastava da empresa “para evitar que perseguiçõ­es políticas a sua posição contra o governo interino” de Michel Temer interferis­sem “no andamento da obra”. À época, no entanto, uma decisão paralisava a obra de vez. O ministro do TCU Walton Alencar Rodrigues havia determinad­o que mais nenhum centavo de dinheiro público poderia ser liberado à Transnorde­stina por causa de “vícios insanáveis” e mudanças de projeto, entre elas o seu preço. “Sequer existem elementos que permitam aferir o custo real da obra”, disse o ministro.

A decisão bloqueou todos os repasses da Valec, BNDES, Fundo de Investimen­to do Nordeste (Finor), Fundo Constituci­onal de Financiame­nto do Nordeste (FNE) e Fundo de Desenvolvi­mento do Nordeste (FDNE). O TCU chegou a suspender a liminar que paralisava os repasses, mas voltou atrás e a medida se mantém até hoje.

Ciro foi procurado pela reportagem desde quarta-feira para comentar o assunto, mas não se manifestou até a conclusão desta edição. A concession­ária Transnorde­stina foi questionad­a sobre cada informação atrelada a suas operações e à gestão de Ciro, mas apenas afirmou que “não comenta assuntos que envolvem política”.

Nesta semana, ao participar de um fórum da Associação Brasileira da Infraestru­tura e Indústrias de Base (Abdib), o presidenci­ável do PDT disse ser possível retomar dois terços das obras paralisada­s com “medidas simples”. “O foco é em obras paradas. Tem 7,6 mil obras paradas, dá para a gente ativar dois terços delas com conversa com juiz, conversa com promotor, normativas de menor hierarquia, assumir a proteção do servidor público que está com dificuldad­e de assinar as coisas, mudar normas. Estive no BNDES, eles têm R$ 150 bilhões para financiar concessões. Já estou fazendo conta com esse dinheiro.”

Histórico. O contrato original da Ferrovia Transnorde­stina tinha por base a concessão da chamada “Malha Nordeste”, que pertencia à extinta Rede Ferroviári­a Federal S.A. e tinha extensão total de 4.238 quilômetro­s com ligações em Recife, Fortaleza e São Luís (MA). A concessão integral dessa malha foi feita em 1997 por meio de leilão vencido pela Companhia Ferroviári­a do Nordeste (CFN), empresa que, em 2008, passou a se chamar Transnorde­stina Logística.

Em 2005, por meio de resolução e sem realizar licitação, a ANTT autorizou a concession­ária a tocar as obras de construção de um novo traçado da Transnorde­stina, com 1.753 quilômetro­s, deixando de lado todo o resto da malha que a empresa tinha assumido.

Em 2006, essas obras tiveram início, estimadas em R$ 4,5 bilhões e com prazo de conclusão em 2010. Atrasado, o projeto teve seu prazo de conclusão estendido para 2016 e o custo foi ampliado para R$ 7,5 bilhões. Atualmente, está estimada em mais de R$ 11,2 bilhões e não tem data de conclusão.

“Há vasto conjunto de indícios que indicam a ocorrência de vícios insanáveis (...) Trata-se de situação extremamen­te grave, a exigir a imediata adoção de medida acautelató­ria, para evitar o emprego de recursos públicos de forma tão temerária.” Walton Alencar Rodrigues MINISTRO DO TCU, AO DETERMINAR A SUSPENSÃO DE REPASSES PARA A OBRA

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ERALDO PERES/AP-23/8/2018 Forró. O candidato do PDT ao Palácio do Planalto, Ciro Gomes, durante evento de campanha em Ceilândia (DF), anteontem

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