O Estado de S. Paulo

Revolta de Camus ecoa numa bela montagem

Em ‘O Mal-Entendido’, diretor e elenco expressam o autor que dizia que só a falta de esperança dá sentido à vida

- Luiz Carlos Merten

Após a sua brilhante montagem de Calígula, com Thiago Lacerda, Gabriel Villela incursiona de novo pelo universo de Albert Camus, e dessa vez com Estado de Sítio. Os ensaios da peça, que terá Cláudio Fontana no elenco, começaram esta semana. Estado de Sítio, de 1948, metaforiza a guerra por meio da Guerra Civil espanhola. Cádiz, assolada pela peste, a morte, e a autoridade que proclama – “A vontade do governador é que nada aconteça com seu governo e tudo continue bem, como sempre foi.”

A atualidade de Camus – ele escreveu para o mundo do pósguerra, ou o Brasil de 2018? Desta vez, um discípulo antecipous­e ao mestre e Ivan Andrade encerra, neste final de semana, as apresentaç­ões de O Mal-Entendido no Sesc Pinheiros. Ivan foi assistente de direção em diversas peças de Villela. Tem secundado Bob Wilson em suas aventuras brasileira­s. O Mal-Entendido surgiu com Calígula e foi ofuscado pela outra peça. Sua origem está numa notícia de jornal que o jovem Camus leu em 1935. Em Belgrado, mãe e filha mataram hóspede do seu pequeno hotel, para ficar com o dinheiro. Não reconhecer­am o filho e irmão que estava ali para lhes fazer uma surpresa. Quando a verdade eclodiu, desesperad­as, mataram-se.

Camus colocou essa história, em passant, no jornal que Mersault lê em O Estrangeir­o. Na peça, a irmã sonha utilizar o dinheiro para viver junto ao mar. Não percebe que, ao matar, destrói suas possibilid­ades de mudança. Lara Córdula, que interpreta Martha, descreve esse mar imaginado. E pula para que a onda não molhe seus pés. Imaginai! A essência do teatro, o título do livro que Dib Carneiro e Rodrigo Audi dedicaram a Gabriel Villela, nas edições Sesc. Embora considerad­a uma obra menor, O Mal-Entendido carrega a essência das interrogaç­ões de Camus. “Se não podemos suportar o mundo, devemos denunciá-lo. E a primeira coisa é lançar nosso grito de revolta.” Esse grito ecoa no palco com vigor. O diretor sabe que a riqueza simbólica dos diálogos de Camus está na contramão da sensibilid­ade contemporâ­nea, saturada de imagens. Com seu elenco (Lara, Maria do Carmo Soares, a mãe, Hélio Cícero, o filho cujo retorno termina em tragédia) entrega o texto com rigor, e pleno sentido daquilo que diz.

 ?? JOÃO CALDAS FILHO ?? Essência.Maria do Carmo (sentada),Lara (de pé),Hélio Cícero (de joelhos)e ao fundo Marcelo Andrade
JOÃO CALDAS FILHO Essência.Maria do Carmo (sentada),Lara (de pé),Hélio Cícero (de joelhos)e ao fundo Marcelo Andrade

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