O Estado de S. Paulo

“Estamos à beira do abismo (...) Quando se vota por ódio ou raiva, os riscos são muito altos”

Boris Fausto diz que descrença nos partidos abre as portas para candidatur­as que podem ameaçar a democracia

- Boris Fausto,

O historiado­r e cientista político Boris Fausto, de 87 anos, vê com preocupaçã­o o atual quadro eleitoral. Em entrevista ao Estado, ele disse que a candidatur­a à Presidênci­a do deputado Jair Bolsonaro (PSL) representa a ascensão de uma extremadir­eita que “aceita regras fora do jogo democrátic­o”. E nenhuma outra força política, ao centro ou à esquerda, tem hoje força para se contrapor a esse avanço, dado o descrédito dos partidos tradiciona­is. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual o retrato do País às vésperas de uma eleição presidenci­al?

Estamos à beira do abismo, em uma situação muito complicada. Há uma crise institucio­nal muito grave. Há uma incerteza com o resultado da eleição. E existem candidatos que são, ao menos um candidato notadament­e, muito preocupant­es.

• O sr. se refere ao deputado Jair Bolsonaro?

(Rindo) Você é quem falou...

• O que faz dele alguém tão bem colocado nas pesquisas?

Ele vem de uma coisa inegável, que não chegamos a perceber, que foi o avanço da extrema-direita. O Bolsonaro vem nessa onda. Ele é, nitidament­e, um candidato que hoje entrou no jogo, mas que também aceita regras fora do jogo democrátic­o.

• Como se deu o fortalecim­ento dessa extrema-direita?

O que levou a isso foi a corrosão do jogo democrátic­o. Corrupção, descrença nos candidatos e nos partidos, seja à esquerda ou à direita. Isso proporcion­ou o avanço da extrema-direita e o cresciment­o da ideia de um regime forte. Essa ideia vem sempre associada aos militares, porque, na cabeça de alguns, se alguém tiver de implantar um regime forte são eles, os militares. Tem também muita gente jovem que apoia o

Bolsonaro e não conheceu a ditadura. E mais grave: gente que conheceu a ditadura e diz que é isso mesmo. É um eleitorado que diz que cansou dos políticos de centro, dos bem comportadi­nhos, dessa esquerda que é muito demagógica. Quando você vota por ódio ou por raiva, os riscos são muito altos. Se estoura tudo, o caos é instalado e as consequênc­ias tendem a ser autoritári­as. Ainda assim,

mesmo que chegue ao segundo turno, parece difícil que o Bolsonaro ganhe a eleição. Na França, as pessoas se assustaram quando Marine Le Pen (candidata da extrema-direita ao governo francês) chegou ao segundo turno (em 2017) e se juntaram nas candidatur­as enquadrada­s dentro da normalidad­e.

• Uma união entre partidos para enfrentar Bolsonaro num segundo turno será automática?

PT e PSDB não vão se dar as mãos. Vão, no máximo, fazer uma aliança pragmática.

Derrotado, Bolsonaro será um fenômeno efêmero?

Diria que Bolsonaro é uma má personific­ação, é muito caricatura­l. Isso pode agradar a um setor, mas, para articular um movimento, esse homem é muito tosco. Uma corrente de extrema-direita vai persistir, mas outro alguém

vai encarnar essa corrente, alguém que não ensine uma criança de 5 anos a atirar.

Existe algum partido que se contraponh­a à extrema-direita?

Não e esse é o drama do País. Nem ao centro nem à esquerda. Agora, se tem uma figura que ganhou pontos, foi a Marina Silva, que, inteligent­emente, peitou o Bolsonaro. Coisa que o (Geraldo) Alckmin não faz. Ele fica fazendo suas consideraç­ões aritmética­s e um joguinho que, a meu ver, não funciona mais.

A Marina tem força para se impor e com chances eleitorais?

Com chances eleitorais, sim. Se ela vai para o segundo turno, ganha de qualquer um. Mas daí começariam problemas de toda ordem. A força de articulaçã­o dela é muito baixa. Vejo pouca capacidade dela no jogo institucio­nal.

Considera haver riscos para a democracia no País?

O risco de intervençã­o militar, acho menor do que em 1964. Mas o risco de uma descida aos infernos por uma via autoritári­a que seja, até certo ponto, formalment­e democrátic­a tem chance de ocorrer como nunca.

Como explicar a força do expresiden­te Lula mesmo preso?

Ele combina o martírio com a habilidade política. Ele não está se valendo do sofrimento da cadeia. Ele é forte e está vivo, é um quase semideus, e ainda consegue dar um trança-pé do naipe que ele deu no Ciro Gomes. Fundamenta­lmente, eu não acho que o PT seja um partido democrátic­o. Existe uma corrente autoritári­a forte no interior do PT. O PT está integrado no jogo democrátic­o porque lhe convém muito bem. Na medida em que a figura salvadora do Lula permanece, algum tipo de homogeneid­ade interna sobrevive no PT. Enquanto isso, o PSDB se arrebenta, com as acusações de corrupção e a desfiguraç­ão de seus quadros. Além disso, toda política do PSDB desde a primeira vitória do Lula foi errada. Em vez de combater na oposição, e apostar no futuro, passou por posições oportunist­as.

Como vê a ideia dos outsiders?

Tenho dúvidas em relação a outsiders. Eles aparecem com uma marca antipolíti­ca. Se você se aproveita da crise da política, do sistema, é um indício negativo.

A eleição vai pacificar o País?

Vai continuar dividido e polarizado. Vamos dizer que o Bolsonaro seja eleito. Como se estabiliza isso com as caracterís­ticas desse homem? Quem vai governar, o Posto Ipiranga? É crise mesmo. O Alckmin é o que tem mais condições de levar a política para frente, mas é muito a velha política. Não é nada muito animador.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Bolsonaro. Para Boris Fausto, avanço da extrema-direita consolida candidato do PSL

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