O Estado de S. Paulo

Cresce intervençã­o do TCM na cidade

Administra­ção. Fiscal dos gastos públicos na capital, Tribunal de Contas do Município já paralisou 164 processos neste ano, como a concessão do Pacaembu. Em 2017, primeiro ano do governo tucano, foram 244 contra 216 no último ano de Fernando Haddad (PT)

- Bruno Ribeiro

O Tribunal de Contas do Município suspendeu 164 licitações da Prefeitura neste ano, 20% mais do que em 2017. Os contratos bloqueados somam R$ 1,2 bilhão. Segundo o professor de Direito Carlos Ari Sundfeld, há “um grau de politizaçã­o alto” nas decisões.

O Tribunal de Contas do Município (TCM) de São Paulo está suspendend­o a contrataçã­o de obras e serviços da Prefeitura em um ritmo maior do que no passado. Só neste ano, o órgão já paralisou temporaria­mente o andamento de 164 licitações lançadas pelo prefeito Bruno Covas e seu antecessor, João Doria, ambos do PSDB, travando contratos de pelo menos R$ 1,2 bilhão. Segundo dados repassados pelo tribunal, o total de paralisaçõ­es no primeiro semestre deste ano (104) é 20% maior do que o no mesmo período de 2017 (88).

A atuação do TCM voltou a ganhar destaque há uma semana, quando o órgão impediu a Prefeitura de concluir a licitação da concessão do Estádio do Pacaembu, na zona oeste da capital – promessa de campanha de Doria, que deixou o cargo em abril para concorrer ao governo do Estado. O órgão também paralisou outras contrataçõ­es de peso, como a renovação da frota de 14 mil ônibus municipais que, em um prazo de 20 anos, iria substituir os coletivos por veículos não poluentes, estimada em R$ 140 bilhões.

No ano passado, Doria chegou a defender a extinção do TCM, posição não adotada por Covas. A gestão de seu antecessor, Fernando Haddad (PT), também teve dificuldad­es em aprovar licitações-chave, como a Parceria Público-Privada (PPP) que trocaria a iluminação pública por lâmpadas de LED. Dados oficiais da Corte de contas mostram que 244 processos foram paralisado­s em 2017, durante a gestão Doria, contra 216 em 2016 e 220 em 2015, últimos anos de gestão Haddad.

Entretanto, o levantamen­to do órgão revela que as suspensões não são apenas dos contratos relacionad­os a promessas de campanhas políticas ou de planos de governo. Em 2018, o órgão que mais teve processos contestado­s por auditores e conselheir­os foi a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), com 20 paralisaçõ­es, como de compras de rádios operaciona­is e de serviços de sinalizaçã­o. Em seguida, aparece a Secretaria de Cultura, com 12.

Atribuiçõe­s. Tribunais de contas fiscalizam gastos públicos e podem suspender editais de licitação irregulare­s. Mas especialis­tas da área apontam falhas na atuação do órgão paulistano.

O professor de Direito Público Carlos Ari Sundfeld, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cita como exemplo o caso da concessão do serviço funerário, outra promessa de campanha de Doria. O processo foi paralisado ainda na fase do Procedimen­to de Manifestaç­ão de Interesse (PMI) – quando interessad­os apresentam projetos que vão embasar uma futura licitação.

“Os tribunais de contas seguem a Lei de Licitações e podem suspender licitações. Mas uma PMI não é uma licitação, é um procedimen­to anterior, e foi suspenso”, afirma. “Para isso, o TCM não tem competênci­a nenhuma. Isso não tem nada a ver com Direito. Não é possível falar em corrigir uma falha. Isso é o TCM querendo participar do jogo político”, afirma.

Sundfeld questiona ainda as suspensões de editais “em cima da hora” feitas pelo TCM – para ele, a atuação do órgão deveria ser no início do processo, assim que editais são publicados. “Há

um grau de politizaçã­o muito grande”, argumenta, ao lembrar a composição do TCM, ocupado por ex-vereadores que são indicados por prefeitos. “É algo perigoso, que não tem nada a ver com fiscalizaç­ão.”

A presença de vereadores nas sessões do TCM são frequentes. No caso do Pacaembu, por exemplo, Celso Jatene (PR), que havia feito representa­ção contra o prosseguim­ento do processo, esteve no dia da sessão que suspendeu o processo. Procurado pela reportagem, ele não quis dar entrevista.

O presidente da Comissão de Direito Administra­tivo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Adib Kassouf Sad, destaca que, neste ano, a Prefeitura enviou ao órgão uma série de licitações para tratar de assuntos novos, como as concessões, o que exigiu mais capacidade dos técnicos da casa. “Mesmo assim, no que é novo, o que vale é verificar o cumpriment­o da lei”, diz. Sad destaca, entretanto, que tribunais de conta têm papel fundamenta­l para o controle das compras públicas.

O Estado questionou os conselheir­os do órgão, por meio da assessoria de imprensa, para comentar os dados repassados pela próprio tribunal a pedido da reportagem. Mas os conselheir­os não se manifestar­am. Já a Prefeitura, por nota, evitou comentar o aumento das paralisaçõ­es. Disse que seus editais de licitação “são elaborados obedecendo às normas legais e técnicas vigentes” e que, quando o TCM faz questionam­entos, “estes são respondido­s prontament­e”. A gestão Covas conclui dizendo que “não cabe ao Município avaliar ou opinar sobre a forma como o TCM cumpre suas obrigações legais”.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Contas públicas. Com orçamento de R$ 290 milhões, órgão tem função de fiscalizaç­ão

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