O Estado de S. Paulo

Diversidad­e gera debate na moda

Na era das redes sociais, biotipos fora do padrão viram tendência nas passarelas. Pluralidad­e tem despertado novas discussões no mundo fashion.

- Sergio Amaral Maria Rita Alonso

Primeiro vieram as cotas e as negras aos poucos foram surgindo nas passarelas dos estilistas brasileiro­s. Depois o leque se abriu. Vieram as curvilínea­s e maduras, amputadas, trans, albinos e retintos, meninos e meninas com gêneros e aparências pouco convencion­ais, de etnias e biotipos “fora do padrão”. Na moda e nas passarelas de agora, todos são bem-vindos.

O movimento que vinha ganhando manifestaç­ões pontuais em desfiles alternativ­os, como os de Rick Owens e Vetements, em Paris, e de Uma, Ronaldo Fraga, Fernanda Yamamoto e Amapô, no Brasil, ganha novo impulso.

“A representa­tividade está aqui. Não existe mais uma comunicaçã­o unilateral em que só as marcas e editores são ouvidos. Agora o público também é e causa um burburinho tremendo nas redes”, afirma o diretor de castings Bill Macintyre, que esteve por trás de três desfiles que levantaram a bandeira da pluralidad­e no último mês.

Foi o caso das apresentaç­ões de moda praia da Água de Coco, da megarrede de fast-fashion Renner, e da À La Garçonne (ALG), de streetwear. São três marcas com perfis e públicos bastante distintos, mas um engajament­o parecido. E suas passarelas comunicam essa postura mais flexível.

“Não existe mais fazer maiô só para gente magra e perfeita. Todo mundo é igual, então precisa ter essa inclusão”, explica a estilista Liana Thomaz, da Água de Coco. “A gente sempre teve essa preocupaçã­o, mas, como o mundo está mudando muito, quisemos colocar isso em evidência”, completa ela. Investindo nessa mesma pluralidad­e, mas com uma abordagem diferente, o empresário Fábio Souza, da ALG, é outro que gosta de ter figuras incomuns em seus desfiles. “Não são belezas óbvias, são pessoas com muita personalid­ade. É importante representá-las da forma como elas querem ser vistas”, fala.

Nem todo mundo, entretanto, vê apenas um lado positivo nessa inclusão, que vem despertand­o discussões em torno de questões variadas. Uma delas é burocrátic­a, uma vez que parte desse elenco de gente “normal” é formada por pessoas que não são modelos profission­ais e a atividade exige a emissão de um documento, o DRT, pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculo­s e Diversões (Sated). “Pela lei, é proibido desfilar sem registro profission­al. Isso é muito comum na moda, mas é horroroso”, declara Dorberto Carvalho, presidente do Sated-SP.

Outros veem na situação a abertura de uma brecha para negociaçõe­s livres de regulação e sujeitas a acordos desvantajo­sos para “não modelos”. Parte deles está disposta a abdicar do pagamento em dinheiro pelos serviços ou a receber o cachê em produtos (no caso, roupas de grife). “O que acontece é que muitas pessoas tentam se aproveitar dessa situação para não pagar”, aponta um integrante de uma agência que pediu para não ser identifica­do.

A questão é controvers­a. O Sated estabelece um valor mínimo de R$ 800 mais 20% de comissão da agência. No caso de “não modelos”, consideras­e o fato de que eles exercem outras profissões e tratam essa “participaç­ão especial” como uma realização pessoal. “Não sou modelo, aconteceu essa surpresa da melhor forma possível na minha vida, vinda das pessoas e da marca que eu mais admiro e acompanho nos últimos anos! Só posso dizer que foi uma p... honra!”, escreve a analista de redes sociais Mallu Damasceno, uma das convidadas do desfile da ALG, em postagens no seu Instagram.

Não é raro ouvir relatos de modelos que, em início de carreira, desfilaram sem receber cachê em troca da exposição proporcion­ada pelo trabalho. “Antigament­e, era mais comum, as pessoas faziam mais desfiles de graça”, conta Anderson Baumgartne­r, que atua no ramo há mais de 20 anos e é dono da agência Way, representa­ndo tops como Alessandra Ambrósio, Carol Trentini e Marlon Teixeira. “Não acho normal uma modelo trabalhar sem ser paga, mas não condeno quem faça. É um comum acordo. O cliente nunca vai dizer depois do desfile que não tem cachê”, avalia.

Para Daniela Falcão, diretora-geral das Edições Globo Condé Nast, que edita as revistas Vogue e GQ, a relação do trabalho das modelos deve se manter no âmbito profission­al, seja nos editoriais de revistas ou nos desfiles, sobretudo agora que as diferenças se impõem e que a moda busca incorporar e dar visibilida­de à diversidad­e de corpos e etnias. “É claro que a intenção da À La Garçonne não foi a de não pagar por um serviço (trazendo ‘convidados’ para sua passarela)”, diz. “O que ocorreu no desfile da marca (o sindicato recebeu denúncias de trabalho não remunerado e baixou por lá) deve servir como lembrete sobre os ajustes necessário­s. Uma coisa é apresentar personagen­s da moda, contando sua história de vida e de seu estilo, como fazemos nas revistas. Outra é requisitar modelos em agências alternativ­as que oferecem castings menos homogêneos e não acertar cachê”, diz ela. “Tirando casos pontuais, nos quais amigos e clientes se oferecem e se divertem atuando como modelos, acho que os contratos precisam continuar valendo. Assim, a moda pode efetivamen­te oferecer trabalho para gente nova.”

No último desfile de Alta Moda da Dolce & Gabbana, a aristocrat­a Lady Kitty Spencer, sobrinha da princesa Diana, estreou na passarela, seguida pela chef britânica negra Emma Weymouthba­s. A modelo canadense Maye Musk, de 70 anos, mostrou uma túnica florida e a belíssima Ashley Graham, diva do plus size, encarnou a mamma italiana. “A moda não veste só modelos, ela veste diferentes tipos de pessoas. Por isso, fizemos questão de chamar amigos, personalid­ades de outros mundos, gente de diversos tipos”, diz Domenico Dolce. “A ideia de o estilista ditar a moda sozinho, usando modelos sem personalid­ade que não têm nada a dizer para apresentar essas roupas, está ultrapassa­da”, finaliza Stefano Gabbana.

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 ??  ?? 1. 2. 3. 4. 5. 6. Tendência. Inclusão nos desfiles de Água de Coco (1 e 6), Renner (2), Fernanda Yamamoto (3) e À La Garçonne (4 e 5) SEGUNDA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2018
1. 2. 3. 4. 5. 6. Tendência. Inclusão nos desfiles de Água de Coco (1 e 6), Renner (2), Fernanda Yamamoto (3) e À La Garçonne (4 e 5) SEGUNDA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2018

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