O Estado de S. Paulo

Refugiados – descaso das autoridade­s

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Atensão entre a população das cidades de Roraima e os refugiados venezuelan­os – que resultou em graves e recentes confrontos, quando eles foram atacados por uma multidão em Pacaraima, na fronteira com o país vizinho, depois que um comerciant­e brasileiro foi assaltado e espancado por alguns deles – não deixa dúvida sobre a necessidad­e de os governos federal e daquele Estado abandonare­m discursos de ocasião e tomarem medidas urgentes para dar solução à grave situação.

Roraima, o menor Estado da Federação, vive um drama humanitári­o: o de ajudar os venezuelan­os que chegam ao Brasil fugindo da devastação econômica, política e social provocada pela ditadura instalada no país vizinho.

Segundo dados do Exército, o número de refugiados que cruzam a fronteira de Pacaraima, no extremo norte do País, subiu de 500 para 800, ou seja, todos os dias 800 venezuelan­os ingressam no território brasileiro. Ainda assim, esse número não representa a realidade, já que existem muitas rotas clandestin­as na região que são usadas pelos contraband­istas de armas e drogas.

Segundo informaçõe­s do Grupo Rede Amazônica, cresce o número de venezuelan­os aliciados pelo tráfico de drogas e pelas redes de prostituiç­ão. A situação é gravíssima. Está instalado o caos social, uma bomba-relógio pronta para explodir a qualquer momento.

O governo de Roraima pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenda temporaria­mente a imigração da Venezuela e que os refugiados sejam, de fato, redistribu­ídos por outros Estados do País. O pedido foi protocolad­o no domingo, 19 de agosto, após os confrontos na fronteira.

Segundo Ernani Batista, procurador-geral de Roraima, a ação cautelar incidental foi protocolad­a na ação que tramita no STF sob a relatoria da ministra Rosa Weber. Nela a ministra já negou o fechamento da fronteira, que havia sido pedido pelo governo de Roraima em abril.

Entre os pedidos feitos ao STF estão a suspensão temporária da imigração na fronteira do Brasil, que a União redistribu­a os imigrantes que já estão em Roraima e os que vierem a entrar no País pelos outros 26 Estados da Federação a partir de uma cota de refugiados.

O governo federal alega que já gastou mais de R$ 200 milhões com aplicação de medidas que tomou para ajudar a minorar a crise humanitári­a provocada pela chegada em massa dos refugiados venezuelan­os.

Não se pode esperar muito de Roraima, sabidament­e com recursos limitados para enfrentar uma crise como a criada pela presença de número tão elevado de refugiados. Investir mais do que tem feito, e sem demora, na distribuiç­ão dos refugiados é, portanto, a melhor maneira – além de prestar assistênci­a humanitári­a – de o governo federal ajudar e assumir as responsabi­lidades que tem nessa questão.

O governo federal tem sido reativo e assistimos, mais uma vez, aos dramáticos efeitos da governança espasmódic­a. As medidas, sempre tardias, chegam na 25.ª hora.

A lentidão dos governos em assumir suas responsabi­lidades reforça um cenário preocupant­e e ameaçador: o desencanto com a política e o aparecimen­to de alternativ­as aventureir­as e emocionais. As pessoas estão nauseadas, enfadadas, não sei qual o melhor termo. Estão enojadas. As pesquisas eleitorais mostram uma gigantesca fatia de votos em branco, nulos e eleitores indecisos. O desânimo é com tudo. A decepção com a política é completa. Se o voto fosse facultativ­o, quase 60% não votariam nesta eleição.

Uma poderosa luz vermelha está acesa. A sociedade está exaurida. A incompetên­cia e a impunidade são o estopim da radicaliza­ção. Os problemas de segurança pública, mobilidade urbana, carências nas áreas da saúde e da educação passaram da conta. Pronunciam­entos na televisão e transferên­cia de responsabi­lidades não funcionam mais. O povo cansouse. A exaustão pode despertar forças incontrolá­veis.

Um dos traços comportame­ntais que marcam a decomposiç­ão ética da sociedade é, efetivamen­te, o desapareci­mento da noção da existência de relação entre causa e efeito. A responsabi­lidade, consequênc­ia direta e lógica dos atos humanos, simplesmen­te desaparece­u. O fim justifica os meios. Sempre. Trata-se da consequênc­ia lógica do raciocínio construído de costas para a verdade e para a ética. O político não tem limites na busca do poder. O burocrata avança no dinheiro público.

Os linchament­os, assustador­amente frequentes, refletem a perigosa e radical descrença das pessoas nas instituiçõ­es democrátic­as. O risco do caos social não é uma hipótese alarmista. E a possibilid­ade de uma solução radical e autoritári­a também não. A defesa da democracia passa, necessaria­mente, pelo fim da impunidade e por respostas claras às justas demandas da sociedade.

O custo humano e social da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquênc­ia é uma tremenda injustiça, um câncer que, aos poucos, vai minando a República. As instituiçõ­es perdem credibilid­ade em velocidade assustador­a. Pagamos impostos extorsivos e recebemos serviços públicos de péssima qualidade. A economia range não por falta de vigor e de empreended­orismo. Ela está algemada por uma infraestru­tura que não funciona e, por isso, os produtos não chegam ao destino.

Os políticos e governante­s precisam acordar. Os justiçamen­tos, terríveis, são o primeiro passo de comunidade­s que começam a virar as costas para as estruturas do Estado. A “justiça” direta é terrível. É preciso dar uma resposta efetiva aos legítimos apelos da sociedade, e não um discurso marqueteir­o. A crise que está aí é brava. O isolamento mental de Maria Antonieta, em 1789, acabou na queda da Bastilha. A História é boa conselheir­a. Os políticos precisam sair um pouquinho da Ilha da Fantasia e sentir a temperatur­a do Brasil real. Os brasileiro­s merecem respeito.

O isolamento mental de Maria Antonieta, em 1789, acabou na queda da Bastilha

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