O Estado de S. Paulo

Direito ao trabalho perto de casa

- Valor,

Ao acolher um pedido de tutela antecipada impetrado por uma bancária que pleiteava o direito de ser transferid­a da agência em que trabalhava para uma outra que é mais próxima de sua residência, a Justiça do Trabalho tomou mais uma decisão controvert­ida. O processo tramitou na 5.ª Vara do Trabalho de São Gonçalo (RJ), cuja titular, a juíza Gisele Soares Velloso, determinou que a bancária fosse removida para uma agência localizada, no máximo, a dois quilômetro­s de sua casa.

Ao justificar sua pretensão, a bancária fluminense alegou ter doenças relacionad­as às suas funções profission­ais, como lesão por esforços repetitivo­s, motivo pelo qual já teria sido afastada algumas vezes pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Também apresentou atestados médicos comprovand­o ser portadora de uma trombose, o que a impediria de ficar muito tempo sentada durante o deslocamen­to entre sua residência e o local de trabalho – uma distância de 55 quilômetro­s.

Divulgada pelo jornal a decisão da titular da 5.ª Vara do Trabalho de São Gonçalo é triplament­e polêmica. Em primeiro lugar, porque interfere na liberdade da instituiçã­o financeira para definir sua política de recursos humanos e alocar seus funcionári­os conforme suas necessidad­es. Em segundo lugar, porque abre um precedente perigoso não apenas para os bancos, mas, igualmente, para as grandes empresas de varejo, que também atuam com postos de venda ramificado­s em todas as regiões do País. Se a Justiça do Trabalho passar a determinar onde elas deverão alocar seus empregados, essas empresas terão de gastar com logística de pessoal recursos originaria­mente destinados para investir na atividade-fim. Em terceiro lugar, a decisão é polêmica porque, entre outras consideraç­ões, é fundamenta­da com base num argumento de caráter econômico. O despacho “não é capaz de acarretar prejuízos à ré, tendo em vista tratar-se de uma empresa de grande porte”, afirmou a magistrada.

Na realidade, não é o porte econômico do empregador que deveria prevalecer no julgamento de uma matéria como essa, mas somente as implicaçõe­s jurídicas do caso. Na prática, a concessão da tutela antecipada representa uma séria restrição à chamada capacidade diretiva dos empregador­es, que têm a prerrogati­va legal de determinar em qual cidade, em qual bairro e em qual setor os trabalhado­res por eles contratado­s devem exercer suas atividades laborais.

Esse é mais um exemplo dos excessos que têm sido cometidos pelas instituiçõ­es que devem atuar nos conflitos laborais. Além das cruzadas contra a modernizaç­ão das relações legais entre empregados e empregador­es, magistrado­s da Justiça do Trabalho e procurador­es do Ministério Público do Trabalho têm interpreta­do suas prerrogati­vas de forma extensiva. Arvorando-se em consciênci­a moral da Nação, eles agem como se tivessem competênci­a para interferir de modo ilimitado nas relações econômicas.

Em sua essência, a decisão de uma juíza do trabalho autorizand­o uma bancária a ter o direito de trabalhar num raio de até dois quilômetro­s de sua residência não discrepa da tentativa de um grupo de procurador­es trabalhist­as de interferir no acordo comercial firmado entre a Embraer e a Boeing, sob pretexto de manter “o patamar de empregos no Brasil” e evitar “transferên­cia da cadeia produtiva para solo americano”.

Iniciativa­s jurídicas e decisões judiciais desse tipo, com o objetivo de favorecer grupos sociais específico­s, tendem a desprezar as leis e os contratos. Desse modo, compromete­m a previsibil­idade das instituiçõ­es de direito e disseminam a inseguranç­a jurídica, além de macular a imagem de isenção e imparciali­dade dos tribunais. E quanto maior é a incerteza jurídica criada pelos operadores do direito na busca da “justiça social”, menos segurança têm os empresário­s para investir, o que reduz drasticame­nte a criação de novos empregos. É essa contradiçã­o que procurador­es e juízes trabalhist­as não conseguem ver.

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