O Estado de S. Paulo

Morte de senador marca fim de uma era

McCain usava posição em comitê para criticar Trump; sem ele, Congresso deve assumir posições mais submissas à Casa Branca

- KAROUN DEMIRJIAN É JORNALISTA

Amorte do senador John McCain é prenúncio de uma grande mudança no Congresso para o governo de Donald Trump. McCain eram um dos republican­os mais críticos ao presidente. Desde o início, McCain usou seu cargo de presidente do Comitê de Serviços Armados para questionar a posição de Trump sobre questões como Rússia, tortura e imigração. O controle do comitê passa agora para o senador James Inhofe, aliado da Casa Branca.

Outro que deixará seu cargo é Bob Corker, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado. Corker é outro crítico da diplomacia caótica de Trump. No início de 2019, ele passará seu posto para o senador James Risch, aliado do presidente.

A saída de ambos significa uma mudança radical na forma como o Congresso deveria usar sua autoridade para supervisio­nar a agenda do presidente. “Corker e McCain fizeram um bom trabalho. Eles realmente questionar­am o presidente de seu próprio partido quando foi necessário”, disse o exsecretár­io de Defesa Chuck Hagel, republican­o que também foi senador. “Isso vai mudar, não resta dúvida sobre isso.”

McCain e Corker sempre foram elogiados pela tenacidade com a qual exerceram a fiscalizaç­ão de governos democratas e republican­os. Como ex-candidato presidenci­al, herói da Guerra do Vietnã e um dos mais reconhecid­os estadistas americanos, McCain foi um dos poucos congressis­tas que, muitas vezes, mantinham mais autoridade em questões de segurança nacional do que o próprio comandante-chefe – qualidade que ele costumava usar para desafiar os presidente­s. Desde que Trump assumiu o cargo, esse embate vinha ocorrendo com mais frequência, especialme­nte em assuntos ligados à Rússia.

McCain e Corker sempre criticaram as ações de Trump com relação ao presidente russo, Vladimir Putin. Ambos foram cruciais, no ano passado, para que o Congresso aprovasse sanções que limitaram a autoridade da Casa Branca para reduzir as medidas punitivas contra Moscou sem a aprovação dos congressis­tas.

Diante das declaraçõe­s de Trump, que eles acreditava­m ser intenciona­lmente pensadas para minar a Otan, McCain e Corker lideraram os esforços do Congresso americano para reafirmar o compromiss­o dos EUA com seus aliados da aliança atlântica. “Não consigo imaginar o Senado sem Bob Corker e John McCain. Às vezes, nos chocávamos de frente, mas nunca duvidei por um segundo que eles eram pessoas sérias”, afirmou o ex-secretário de Estado dos EUA John Kerry.

McCain e Corker foram duros críticos de Kerry em razão da política externa do governo de Barack Obama, incluindo o acordo com o Irã, que pretendia acabar com as sanções internacio­nais em troca de restrições em seu programa nuclear. Os dois se opuseram ao pacto, embora Corker mais tarde tenha instado Trump a não se retirar dele.

“Você precisa de pessoas assim, em ambos os partidos, para criar uma massa crítica capaz de fazer alguma coisa. Senão, você cria um grande desestímul­o que abre caminho para que os piores deem as ordens”, disse Kerry.

Muitos colegas de Senado temem agora que o Congresso perca autonomia quando Inhofe e Risch assumirem seus cargos, preocupado­s com o fato de ambos serem fiéis à Casa Branca. “Ao longo dos anos, transferim­os muita autoridade para o Executivo. É preocupant­e que a nova liderança esteja mais perto do presidente e não encare o Poder Executivo com o mesmo ceticismo”, disse o senador Jeff Flake, que também é um critico da política externa de Trump e já anunciou sua aposentado­ria no fim do ano. “Eles são menos propensos a questionar as manobras do presidente. O Congresso será menos independen­te.”

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