O Estado de S. Paulo

APÁTRIDAS, IRMÃS QUEREM SER BRASILEIRA­S

Maha e Souad farão prova de proficiênc­ia em Português em outubro para pedir naturaliza­ção

- Pablo Pereira

Em tempos de ânimos exaltados contra a presença de imigrantes no País, caso da reação aos venezuelan­os que buscam oportunida­des de vida por aqui, duas estrangeir­as que também querem ser do Brasil estão a um passo de conseguir cidadania. As irmãs Maha Mamo, de 30 anos, e Souad Mamo, de 32, nascidas no Líbano, filhas de pais sírios de religiões diferentes – e, por isso, impedidas de ter uma pátria –, são as primeiras pessoas a conseguire­m do governo brasileiro o reconhecim­ento oficial da condição de apátridas.

Depois de quase quatro anos no País, com status de refugiadas e, agora, na condição de apátridas, no dia 1.º de outubro elas devem completar os requisitos básicos exigidos pelo Ministério da Justiça para a naturaliza­ção. Nesta data, vão prestar o teste de proficiênc­ia na língua portuguesa. A partir da prova, poderão obter documentos brasileiro­s, ter residência garantida e, finalmente, deixar a apatridia – na qual passaram a vida toda. “Se Deus quiser, logo entro com pedido de naturaliza­ção”, afirmou Maha, que mora em Belo Horizonte (MG) e trabalha com consultori­a.

Apátridas são pessoas impedidas de ter uma nacionalid­ade, em geral por razões políticas ou religiosas – caso de Maha e Souad. Elas são filhas de pai cristão e mãe muçulmana, proibidos de se casar na Síria. Para viver junto, o casal migrou para o Líbano, onde teve as crianças, que nunca tiveram um país. Já adultas, elas migraram para o Brasil. “O caso de Maha é uma novidade no Brasil”, explicou André Furquim, do Departamen­to de Migrações do Ministério da Justiça.

Tragédia. Junto com Maha e Souad veio também o irmão, Edward, então com 26 anos. Os três foram acolhidos por famílias católicas de Belo Horizonte, onde passaram a viver. Eddy, como era chamado pelas irmãs, também era um sem pátria. Na noite de 29 de junho de 2016, ele foi vítima de uma tragédia: morreu em uma tentativa de assalto na capital mineira. A partir do episódio ocorrido com Eddy, Maha decidiu intensific­ar os esforços para deixar de ser uma “refugiada” no País e buscar a cidadania, condição com a qual o irmão sonhava.

Refugiados. No Brasil, segundo dados do Ministério da Justiça, 587 pessoas foram reconhecid­as como refugiadas no ano passado, 310 delas da Síria. A ONU calcula que haja mais de dez milhões de refugiados pelo mundo. Em 2016, segundo levantamen­to do Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “60.800 pessoas apátridas que viviam em 31 países adquiriram nacionalid­ade”. Com o reconhecim­ento da condição especial de refúgio e a posterior possível naturaliza­ção, ambas passarão a ter os direitos civis de brasileiro­s, como ter passaporte e acesso ao sistema público de saúde. As restrições para naturaliza­dos são aquelas dos direitos reservados a brasileiro­s natos, como concorrer à Presidênci­a dos três Poderes.

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FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL Pioneiras. As irmãs são as primeiras apátridas reconhecid­as pelo governo brasileiro

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