O Estado de S. Paulo

Não desabem o teto

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Oteto de gastos, dispositiv­o constituci­onal que limita, por dez anos, desde 2017, o cresciment­o das despesas primárias da União, virou o saco de pancadas dos candidatos à Presidênci­a da República. Até Geraldo Alckmin, pertencent­e a um partido que, em tese, tem forte compromiss­o com o ajuste fiscal, vem titubeando em sua defesa.

Um dos maiores equívocos é considerar que, quando o teto não puder ser obedecido, terá fracassado. Ocorre que é exatamente nessa situação que suas vantagens aparecem. Em primeiro lugar porque coloca, de forma clara, a limitação de recursos, e com isso força Executivo e Legislativ­o a buscarem soluções estruturai­s para corrigir o cresciment­o do gasto público como proporção do PIB. O conflito distributi­vo fica explícito. Dado que a carga tributária brasileira já é alta demais quando comparada a países com nível de renda semelhante, a questão crucial é o que cortar quando surge a necessidad­e de aumentar recursos para educação, saúde, combate à pobreza, investimen­tos, etc.

Além disso, quando o teto for rompido é disparada uma série de ajustes compulsóri­os nas despesas públicas, até que se corrija a situação, com vedação de gastos como concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneraçã­o salarial, criação de cargo ou função que implique aumento de despesa, contrataçã­o de novos funcionári­os públicos, concessão de benefícios salariais de qualquer natureza, criação de despesas obrigatóri­as, ampliação de gastos com subsídios e subvenções, aumento de incentivos ou benefícios tributário­s, entre muitos outros. Esse conjunto severo de restrições certamente aumentará muito a viabilidad­e política de aprovar reformas fiscais que corrijam de forma estrutural o descontrol­e fiscal.

Argumenta-se também que congelar as despesas em termos reais por período tão longo não é uma forma eficiente de fazer política fiscal. Pode ser. Mas esse raciocínio peca em dois pontos importante­s.

O primeiro é que as despesas não são congeladas por tipo, mas no total, podendo ser remanejada­s. Como foi dito, o objetivo maior é forçar o debate da alocação dos recursos públicos.

O segundo é que as finanças públicas brasileira­s podem ser perfeitame­nte comparadas com um organismo em hemorragia. Nessa situação, o que se faz, antes de qualquer medida mais eficiente a longo prazo, é estancar a perda de sangue, para que o paciente não morra. Em 2018, o déficit primário do governo federal deverá alcançar R$ 159 bilhões (2,3% do PIB). Uma simulação simples, admitindo juro real de 4% ao ano e cresciment­o econômico de 2% ao ano, mostra que para estabiliza­r a relação dívida pública bruta/PIB no patamar atual (84%, conceito FMI), que já é altíssima, seriam necessário­s superávits primários de 2% do PIB ao ano, ou seja, um ajuste gigantesco.

Se não se estancar tal hemorragia, o País voltará para a inflação dos anos 80 e da primeira metade dos anos 90, do século passado, quer dizer, mais desigualda­de, aumento da pobreza e redução do cresciment­o econômico. Como diz Samuel Pessôa, uma maneira pior que essa para acomodar o conflito

Se não estancarmo­s a hemorragia das finanças públicas, o País voltará à inflação dos anos 80

distributi­vo, só a guerra civil.

Por que então, por exemplo, não retirar investimen­tos do teto, que por não serem gastos obrigatóri­os nem protegidos por vinculaçõe­s são as verbas mais prejudicad­as pela medida? Simplesmen­te porque “por onde passa um boi passa uma boiada”. Logo aparecerão os defensores da exclusão também de educação, saúde, programas sociais, segurança e tantas outras necessidad­es prementes da população.

Se o limite de gastos cumprir sua missão e viabilizar a aprovação das reformas estruturai­s, deixará de ser necessário. Por ora, é prudente não mexer com ele. O teto pode desabar e ferir muita gente, principalm­ente os mais pobres, que não conseguem se defender da inflação.

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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