O Estado de S. Paulo

As ameaças à democracia

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Jair Bolsonaro é ameaça concreta, mas não a única. Lula da Silva consegue se fazer passar por grande democrata.

Agrande ameaça à democracia brasileira, a julgar pelo que tem saído com frequência cada vez maior na imprensa internacio­nal, é a candidatur­a presidenci­al do deputado Jair Bolsonaro. No final de semana passado, o New York

Times afirmou que o ex-capitão do Exército “está instigando os brasileiro­s a voltar a um capítulo sombrio de sua história”, referindo-se à ditadura militar. Já o jornal argentino La Nación destacou os temores de que “a quarta maior democracia do mundo estará em perigo com a possível vitória do deputado ultradirei­tista”. E esses são apenas os exemplos mais recentes das muitas reportagen­s e análises de jornais estrangeir­os para os quais Bolsonaro, e apenas ele, encarna o que há de mais deletério para a democracia na atual corrida eleitoral. Tratase, contudo, de uma visão parcial, que ignora um outro grande risco à democracia no País, representa­do pelo lulopetism­o.

O sistemátic­o ataque de Lula da Silva e dos integrante­s de sua seita ao Judiciário, ao Congresso e à imprensa deveria ser igualmente percebido no exterior como uma ameaça concreta à democracia. Há muito tempo, o lulopetism­o demonstra profunda ojeriza a aceitar os princípios democrátic­os, especialme­nte o contraditó­rio e os limites impostos pela lei – que, de acordo com a doutrina lulopetist­a, só se aplica aos outros.

A ousadia de alguns juízes de condenar e mandar prender o morubixaba Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro, fazendo cumprir o que está na lei, serviu para escancarar de vez o caráter autoritári­o do PT. O partido recrudesce­u sua campanha contra o Judiciário, exigindo que Lula receba tratamento especial. Mais do que isso: Lula está descaradam­ente usando a atual campanha eleitoral para se livrar da punição a ele aplicada e, se der, voltar à Presidênci­a da República. É um escárnio poucas vezes visto na história pátria.

Na provável hipótese de Lula não poder concorrer, por ser ficha-suja, os petistas esperam que o partido consiga eleger presidente o ex-prefeito Fernando Haddad e que, ato contínuo, o chefão do partido seja solto. Essa estratégia, que ultrapassa todos os limites do aceitável no jogo político, foi candidamen­te explicitad­a por Gilberto Carvalho, ex-ministro e um dos principais porta-vozes de Lula. Em entrevista à Gazeta do

Povo, de Curitiba, ele declarou: “Na campanha, vamos deixar claro para o povo o seguinte: votar no Haddad é votar no Lula. É o Lula quem vai governar. Vamos tirar o Lula da cadeia em algum momento. Até porque ele não vai passar o resto da vida lá. E vai sair direto para o Palácio do Planalto para cogovernar com o Haddad. Quem vai governar formalment­e é o Haddad”.

A desfaçatez de tal declaração é apenas a mais recente manifestaç­ão do profundo desapreço do PT pelas instituiçõ­es. Ajuda a fortalecer a suspeita de que, se conseguire­m ganhar a eleição, mesmo depois dos escândalos e desmandos administra­tivos que protagoniz­aram, os petistas podem se sentir em condições de reimplanta­r sua agenda liberticid­a, frustrada pela incompetên­cia e pelo desplante do poste Rousseff.

O programa de governo do PT prevê o controle da mídia, que é o outro nome para censura; o uso extensivo de plebiscito­s para “aprofundar a democracia e empoderar a cidadania” – o que, em linguagem petista, significa atropelar o Congresso –; e a convocação de uma “assembleia constituin­te”, providênci­a que, quando adotada nos países sul-americanos governados por ditaduras com as quais o PT simpatiza, serviu para solapar as instituiçõ­es e fazer evaporar a oposição.

Assim, Jair Bolsonaro representa de fato uma ameaça concreta à democracia, mas não é a única. No caso do ex-capitão, preocupam a sua visão simplista dos problemas nacionais, a sua inexperiên­cia administra­tiva e a sua admiração incontida por métodos violentos, inclusive por torturador­es, e isso basta para vê-lo como um grande perigo. Já Lula da Silva, graças ao formidável aparato de propaganda petista, consegue se fazer passar, aqui e no exterior, por grande democrata, embora seus atos – pelos quais está preso – e suas palavras – contra as instituiçõ­es – revelem o exato oposto disso.

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