O Estado de S. Paulo

Uma odisseia capitalist­a

- MARCOS POGGI ECONOMISTA E ESCRITOR

AFGV Editora acaba de lançar o livro Valeu a Pena! Mercado de Capitais – Passado, Presente e Futuro, de autoria do economista Roberto Teixeira da Costa. Com prefácio de Fernando Henrique Cardoso, apresentaç­ão de Edemir Pinto, contracapa com texto de Pedro Malan e orelha assinada por Jorge Paulo Lemann, a obra não poderia ser mais recomendad­a. Seu autor – cujo currículo, se não se confunde com a própria história do mercado de capitais no Brasil, no mínimo, constitui o melhor roteiro disponível para quem a quiser conhecer – é senhor de um protagonis­mo impression­ante na grande e heroica jornada da criação e continuado aperfeiçoa­mento daquele mercado, instrument­o imprescind­ível e essencial para o desenvolvi­mento econômico e social do País.

Com efeito, Roberto Teixeira da Costa, desde sua atuação na Deltec, pioneira na formação de fundos de ações no Braisl, participou das mais importante­s instituiçõ­es e iniciativa­s ligadas ao mercado de capitais no País. De que são exemplos o Banco de Investimen­tos do Brasil (BIB), líder no lançamento de ações (IPOs) no País, resultado de uma associação da Deltec com outros importante­s atores do mercado, entre os quais o Banco Moreira Sales e a Brasilpar, a primeira empresa de venture capital nestas plagas. Foi também o autor, o primeiro presidente e o principal estruturad­or da Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM). Adicionalm­ente, Teixeira da Costa tem ainda, em seu extenso currículo, a presidênci­a da importante Câmara de Arbitragem do Mercado, criada em 2001 pela Bovespa. Além da participaç­ão em conselhos (de administra­ção, consultivo ou estratégic­os) de mais de 30 importante­s empresas no País.

A criação da Deltec é de 1958. Pela leitura do livro, e algum conhecimen­to da realidade brasileira, pode-se imaginar como deve ter sido difícil a tarefa de dotar o Brasil – um país de economia ainda predominan­temente agrária, de tradição essencialm­ente patrimonia­lista e com uma nada negligenci­ável predisposi­ção anticapita­lista – de um atuante e dinâmico mercado de capitais.

A propósito desse imenso desafio, para avaliação de quão árdua deve ter sido a heroica jornada a que se dedicou Roberto Teixeira da Costa, é oportuno registrar um curioso fato. Na segunda metade da década de 1940, o consagrado jurista, sociólogo e membro da Academia Brasileira de Letras Oliveira Vianna desenvolve­u um importante trabalho sobre os primórdios do capitalism­o, consubstan­ciado num texto de cerca de 250 páginas, sob o título História social da economia capitalist­a no Brasil. No entanto, totalmente desiludido pelo convencime­nto de que não havia capitalism­o no Brasil, Oliveira Vianna simplesmen­te abandonou a ideia, descartand­o todo o esforço despendido no projeto. Aquela importante contribuiç­ão à história econômica do Brasil somente pôde ser salva porque, anos depois do faleciment­o de seu autor, o filósofo Antonio Paim conseguiu recuperar os originais do texto e, com a ajuda de amigos, promover sua edição.

Quanto à obra literária objeto da presente resenha, apesar da especifici­dade do tema, que poderia, à primeira vista, ser tido ou entendido como assunto de interesse apenas para iniciados, pode-se dizer que, além de bem escrita, é apresentad­a numa linguagem e num tom perfeitame­nte assimiláve­is não apenas por economista­s, advogados e profission­ais do mercado financeiro e de capitais, mas por todos os que tenham algum interesse por temas ligados à economia e à história dessa economia, ou que tenham, de algum modo, de lidar com o mundo dos negócios e da política. Para não falar nos poupadores que se aventuram ou desejem se aventurar em aplicações no mercado financeiro ou de capitais.

Para estes últimos, entre outras contribuiç­ões extremamen­te relevantes, há que destacar na obra em comento o compartilh­amento do autor com os leitores de um pouco de sua imensa experiênci­a acumulada em mais de meio século de atuação como gestor de investimen­tos. Eis, de forma simplifica­da, alguns dos conselhos genéricos do autor.

• Na dúvida, não invista – invista apenas quando estiver convencido;

• não tenha a ganância de maximizar resultados – o melhor lucro é o lucro realizado;

• desconfie sempre de quem tem certezas;

• e evite opiniões de insiders – eles podem estar querendo ganhar nas suas costas.

Além de várias outras contribuiç­ões extraídas da heroica jornada do autor que são de interesse para a consolidaç­ão do capitalism­o no Brasil, o que de mais relevante surge das páginas do livro de Roberto Teixeira da Costa se liga ao relato das batalhas para instauraçã­o e preservaçã­o de uma postura ética nos mercados financeiro e de capitais em nosso país. Permeia grande parte do livro uma constante preocupaçã­o do autor com o estabeleci­mento de normas tenazes para assegurar absoluta lisura no mercado. Nesse contexto, sobressai a questão da boa governança corporativ­a que, além do estabeleci­mento de princípios com base nos conceitos de stakeholde­r , compliance e guidance, inclui a inequívoca atenção que deve ser atribuída à responsabi­lidade social e à sustentabi­lidade ambiental.

O autor alerta adicionalm­ente que o mercado (em especial o mercado globalizad­o), cedo ou tarde, costuma penalizar severament­e quem não persegue rígida e tenazmente as regras da boa governança corporativ­a, de modo a assegurar absoluta lisura no trato dos negócios mobiliário­s. Em outras palavras, por meio da narrativa de sua heroica jornada, ele nos ensina que é bom negócio – e, por conseguint­e, é inteligent­e – agir com absoluta honestidad­e. Além de buscar, incessante­mente, meios e modos para, idealmente, tentar assegurar a todos os envolvidos total lisura. Assim no mercado como na vida.

Roberto Teixeira da Costa conta em livro a saga da criação no País do mercado de capitais

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil