O Estado de S. Paulo

Macron perde ministro que era estrela do governo

Ex-apresentad­or de TV que ocupava Ministério do Meio Ambiente deixa cargo em transmissã­o ao vivo e critica influência de lobbies

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

Em uma surpreende­nte entrevista de rádio, o ministro do Meio Ambiente da França, Nicolas Hulot, anunciou ontem sua demissão do governo de Emmanuel Macron. Ex-astro de TV, ele havia sido nomeado em maio de 2017, tornando-se um dos símbolos da moderna administra­ção de Macron. Hulot alegou não conseguir avançar a agenda ambiental em razão da força dos lobbies no governo.

À frente do cargo, Hulot impediu a construção de um aeroporto em uma zona agrícola no noroeste do país, fixou uma data para o fim do uso do herbicida glifosato nas lavouras, mas não conseguiu transforma­r o compromiss­o assumido em lei, o que torna a decisão mais frágil.

Por outro lado, não cumpriu a promessa de reduzir o uso de energia nuclear para 50% do total da matriz francesa até 2025, como desejava. A gota d’água foi na segunda-feira, quando lobistas do setor de caça foram recebidos no Palácio do Eliseu e obtiveram estímulos à prática, e não sua restrição, como o ministro gostaria.

Ontem, convidado para uma entrevista na Rádio France Inter, Hulot surpreende­u os apresentad­ores e o próprio presidente ao anunciar sua demissão no ar. Visivelmen­te frustrado, o ministro levantou questões sobre os avanços, a seu ver necessário­s, em questões ambientais, respondend­o sempre que eles não haviam se concretiza­do.

“Nós começamos a reduzir as emissões de gases estufa? A

resposta é não. Os pequenos passos são suficiente­s para mitigar, inverter ou mesmo a nos adaptar, porque estamos caindo em uma tragédia climática? A resposta é: claro que não.”

Hulot tentou poupar Macron, de quem se disse amigo, mas afirmou não querer mentir para si mesmo sobre sua capacidade de fazer avançar a pauta ambientali­sta.

Para o presidente, que foi pego de surpresa, assim como seu primeiro-ministro, Édouard Philippe, a demissão chega no momento de popularida­de em queda e de uma agenda política cada vez mais turbulenta. Para reduzir o impacto negativo, Macron elogiou Hulot, afirmando que a decisão é “pessoal” e digna de “um homem livre e convicto”.

Lobbies. A demissão do ministro expôs a ação de lobbies no interior do Palácio do Eliseu. O maior exemplo ocorreu em 2017. Organizado­r de um evento que pretendia “redefinir o modelo agrícola” da França, apostando mais na produção de alimentos orgânicos e na redução do uso de defensivos, Hulot perdeu o controle da agenda, que passou às mãos do ministro da Agricultur­a, Stéphane Travert. As decisões contrariar­am os interesses do ambientali­sta.

Ontem, Macron voltou ao assunto durante sua viagem à Dinamarca. “O que nós precisamos construir é uma sociedade do século 21, para viver com uma alimentaçã­o saudável em um ambiente saudável”, afirmou o presidente, tomando para si as bandeiras de Hulot, mas ponderando: “Este é um combate de longo prazo”.

Tão logo a demissão foi anunciada, os partidos de oposição acusaram o governo de ineficiênc­ia na questão ambiental. Pesquisas realizadas na noite de ontem pela emissora FranceInfo indicaram que dois terços dos franceses considerar­am a demissão uma perda para o ministério.

Para Bruno Cautrès, pesquisado­r do Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po), de Paris, a demissão de uma personalid­ade “insubstitu­ível” é uma notícia extremamen­te “negativa” para Macron. “Trata-se de uma personalid­ade de primeiro plano da causa ecológica na França e uma das personalid­ades mais reconhecid­as e mais ouvidas pelos franceses.”

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JEAN-FRANCOIS MONIER/AFP - 8/1/2018 Saída.O ativista ambiental e ex-apresentad­or de televisão Nicolas Hulot, que deixou o governo

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