O Estado de S. Paulo

As comércio-chanchadas de Donald Trump

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Não houve acordo com a Coreia do Norte para a desnuclear­ização do país, apesar do alarde. Não houve acordo sobre a renegociaç­ão do tratado comercial entre a Coreia do Sul e os EUA – o Korus – apesar do estrépito. Na mesma linha, não há acordo concreto entre os EUA e o México a respeito do Nafta – o tratado comercial da América do Norte que Trump afirmou várias vezes ser o pior de todos os tempos – embora o barulho dessa semana esteja quase ensurdeced­or.

Na segunda-feira, a agência responsáve­l pelas negociaçõe­s comerciais dos EUA, o USTR, disse ter alcançado um “acordo preliminar em princípio sobre as renegociaç­ões do Nafta”. Peço ao leitor que pare por alguns minutos para considerar a frase entre aspas acima. Acordo preliminar em princípio soa similar ao desenvolvi­mento de novas tecnologia­s para estocar o vento. Acordos preliminar­es não são acordos finalizado­s. Acordos preliminar­es em princípio estão ainda mais longe de qualquer ideia de conclusão. Qualquer acordo preliminar entre México e EUA não é um acordo sobre o Nafta, tratado tripartite que exige, por definição, a participaç­ão do Canadá.

O Canadá está no banco de reservas desde que Trump resolveu comprar briga com um de seus aliados políticos e econômicos mais longevos não se sabe muito bem por quê. Talvez porque não goste das meias de Justin Trudeau, talvez por outra razão qualquer que escape à lógica cartesiana. A necessidad­e de trazer o Canadá para a mesa para que haja alguma chance de encerrar as negociaçõe­s foi salientada várias vezes pelas autoridade­s mexicanas. Contudo, Trump e sua trupe decidiram ignorar sumariamen­te essa necessidad­e, reafirmand­o que haverão de impor mais tarifas sobre exportaçõe­s canadenses caso o vizinho do norte se negue a participar da mais recente comércio-chanchada.

O acordo preliminar em princípio com o México tampouco trata de todos os temas – são muitos – para modernizar o Nafta. Nas áreas de comércio digital e meio ambiente, o acordo preliminar em princípio está alinhado ao que os três países negociaram quando o Acordo Transpacíf­ico (TPP) que abarcaria 11 nações estava prestes a ser ratificado pelos membros. O ato de rasgar o TPP foi uma das primeiras medidas de Trump logo que assumiu a presidênci­a. A cena do recém-empossado mandatário mostrando para os repórteres a assinatura no decreto que matou o acordo ainda está fresca na memória de quem viu no gesto a mais completa estupidez.

Ao alienar os EUA de seus parceiros, Trump abriu flanco para que os demais membros renegocias­sem vários dos termos, inaugurand­o o CPTPP – sigla para “Comprehens­ive and Progressiv­e Agreement for Trans-Pacific Partnershi­p”. Canadá e Japão lideraram o processo.

Mas voltemos ao acordo preliminar em princípio. Nele está previsto que 40% a 45% dos trabalhado­res de empresas que exportam para os mercados da América do Norte recebam salário mínimo de US$ 16 por hora. À primeira vista pode parecer uma excelente oportunida­de. Contudo, não há acordo comercial no mundo que possa impor na marretada um piso para o salário mínimo de qualquer país, visto que essa é uma decisão soberana. Ademais, não

Tudo o que foi anunciado até agora por Donald Trump parece nada mais do que fumaça política

há qualquer mecanismo que force as empresas a seguir a regra – por óbvio. As novas regras de conteúdo local do acordo preliminar em princípio provavelme­nte acabariam por aumentar os custos dos fabricante­s de veículos e das montadoras, como revela análise recente do Peterson Institute for Internatio­nal Economics.

Por fim, difícil é imaginar como finalizar um acordo com o México quando as tarifas sobre aço e alumínio recémimpos­tas continuam em vigor. Há também o detalhe de que qualquer acordo bilateral com o México não é visto pela lei americana como parte do Nafta, o que portanto necessitar­ia de aprovação do Congresso que, de modo geral, é refratário a alienar o Canadá. Em resumo, tudo o que foi anunciado até agora parece nada mais do que fumaça política. Trump precisa dizer para sua base que renegociou o Nafta e cumpriu a promessa de campanha antes das eleições legislativ­as em novembro. Peña Nieto quer deixar um legado. López-Obrador está confortave­lmente assistindo a tudo isso pois não acordos não levam seu nome ou selo. Aguardemos as próximas comércio-chanchadas.

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