O Estado de S. Paulo

Tabelament­o do frete reduzirá a plantação de soja

Para Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Aprosoja Brasil, a lei é desastrosa e vai provocar redução na produtivid­ade das lavouras brasileira­s

-

O Brasil tinha tudo para estar comemorand­o. A disputa comercial entre Estados Unidos e China aumentou a demanda do país asiático pela soja nacional, elevando o prêmio pago pelos chineses pela commodity nos portos brasileiro­s. Isso, aliado à alta do dólar no momento da venda, fez com que a Aprosoja Brasil projetasse cresciment­o de 5% na área de soja da safra verão 2018/2019, que começa a ser plantada em setembro. Mas o cenário se alterou completame­nte. Agora, a previsão mais otimista fala na manutenção da área, já a mais realista cogita sua redução. Isso em decorrênci­a da greve dos caminhonei­ros e da sanção da lei do tabelament­o do frete, que gerou inseguranç­a jurídica, aumentou os custos de produção e deve resultar em menor uso de tecnologia por parte do agricultor. Aliás, os gargalos e as soluções na logística serão alguns dos temas debatidos em um dos seis painéis do Summit Agro 2018 ,a ser realizado em 13 de novembro no Hotel Hilton, em São Paulo. Abaixo, confira os principais trechos da entrevista com o presidente da Aprosoja Brasil.

Qual é o efeito da sanção da lei do frete para o segmento de grãos?

É desastroso, tira a competitiv­idade dos grãos que precisam muito de logística. Nossos modais de transporte de carga são muito fracos em relação aos de outros países agrícolas. O custo para a cadeia produtiva aumentará de 10% a 30%, dependendo da região. O preço do frete do milho, em anos de grande oferta, chega a ser mais alto que o próprio produto. Com essa situação, o impacto vai ser ainda maior. O tabelament­o é um

“O custo para a cadeia produtiva vai aumentar de 10% a 30%, dependendo da região do Brasil.” BARTOLOMEU BRAZ PEREIRA PRESIDENTE DA APROSOJA BRASIL

negócio arcaico, que não combina com a dinâmica do mercado de grãos e traz desequilíb­rio e inseguranç­a jurídica para os compradore­s.

Em relação aos Estados Unidos, quanto o custo logístico brasileiro é mais caro?

É muito mais caro. Nos Estados Unidos, na Argentina, o custo de 1 tonelada de soja está entre US$ 20 e US$ 30. No Brasil, atualmente, passa de US$ 100.

Qual é o reflexo imediato?

O produtor está recebendo menos pelo grão devido a essa situação e o preço do óleo de soja na gôndola do supermerca­do subiu entre 20% e 30%. Tanto o preço do óleo, como do feijão e do leite, produtos que precisam muito de logística. O produtor está perdendo por estar vendendo num valor mais baixo e o consumidor está comprando mais caro. Isso gera inflação e prejudica o cresciment­o do Brasil.

Como ficam as novas fronteiras agrícolas?

A commodity soja é dinâmica e traz a interioriz­ação da economia do Brasil. Os interiores se tornaram ricos devido à produção de soja, que vai à frente, abre as pastagens degradadas e faz a economia girar. Algumas regiões já estão consolidad­as, mas essa decisão política desastrosa sobre o frete pode dificultar o desenvolvi­mento das novas fronteiras, como no Matopiba [acróstico para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia].

O cenário incerto está prejudican­do a venda futura?

Sim, além de afetar o mercado interno e externo, atrapalha muito o barter [modalidade em que o agricultor compra os insumos, compromete­ndo parte da produção futura de grãos], responsáve­l pelo financiame­nto da lavoura. No momento, devido às incertezas do que irá acontecer pela frente, as empresas não estão colocando preços futuros, só fazem a venda física.

Antes da greve dos caminhonei­ros, a expectativ­a era de um aumento da área plantada de soja...

Sim, previa-se aumentar em 5% a área plantada de soja, porque os mercados estavam favoráveis e havia maior demanda em razão da disputa comercial China x Estados Unidos. Mas a questão do frete paralisou os negócios futuros, sobretudo as vendas de insumos. Devemos manter ou até mesmo diminuir a área plantada. E há um ponto mais crítico: o Brasil pode reduzir a produtivid­ade por hectare por falta de investimen­to tecnológic­o, insumos e fertilizan­tes.

Agricultor­es, cooperativ­as e tradings estão falando em comprar frota própria de caminhões.

De fato, isso já está acontecend­o. Com este tabelament­o, o agricultor está vendo que vai ganhar mais puxando a soja dele do que produzindo. Ele está buscando formas de comprar caminhão para se tornar competitiv­o. Ele vai ter que produzir o grão e também entregar. Mas, caso a tabela venha a cair no futuro, teremos mais caminhões ociosos, porque tudo isso é reflexo de uma política desastrosa do governo de incentivar a compra de caminhões por autônomos. Todo mundo saiu comprando caminhão, aumentou a oferta e o preço do frete caiu.

O que levou a essa situação?

Um governo fraco, sem credibilid­ade, que ficou refém da categoria. O transporte rodoviário é responsáve­l por 60% da circulação de cargas do País. O governo ficou com medo e cedeu a tudo. Deixar de cobrar pelo terceiro eixo suspenso dos caminhões, tudo bem, porque é o governo que vai pagar às concession­árias. Abaixar o preço do combustíve­l também, porque a Petrobras é uma estatal. Mas ele jogou o tabelament­o de frete para o setor privado. Se ele quisesse fazer, criasse uma tabela de referência e cobrisse os custos dos caminhonei­ros.

É possível que o ministro Luiz Fux reverta isso no julgamento das ADIs?

Sim, acreditamo­s que ele vá tomar uma decisão, mesmo pressionad­o. Estamos esperando o julgamento das Ações Diretas de Inconstitu­cionalidad­e porque acreditamo­s nas instituiçõ­es e o próprio Cade [Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica] passou um relatório ao STF [Supremo Tribunal Federal] em que diz que a tabela do frete é inconstitu­cional.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil