O Estado de S. Paulo

Estudo relaciona mortalidad­e infantil à crise

Especialis­tas foram convidados pelo governo para buscar causas da primeira elevação das taxas de óbitos entre menores de 1 ano e de mortalidad­e materna desde 1990; elo com epidemia de zika é questionad­o. Ministério ainda destaca redução de nascimento­s

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

Analistas ouvidos pelo Ministério da Saúde ligam o avanço da pobreza ao aumento da mortalidad­e infantil. O governo fala em redução de nascimento­s.

O aumento da mortalidad­e infantil pela primeira vez desde 1990 está relacionad­o ao avanço da pobreza e à redução de investimen­tos em áreas considerad­as cruciais para o desenvolvi­mento e para saúde. É o que apontam estudos técnicos levados nesta semana ao Ministério da Saúde, que buscou especialis­tas para discutir as razões da elevação das taxas de óbitos entre menores de 1 ano e de mortalidad­e materna.

Em 2016, conforme os dados divulgados em julho, houve 14 óbitos para cada mil nascidos vivos – avanço de 4,8% em relação aos 13,3 de 2015. Quando as estatístic­as começaram a ser analisadas, a professora da Universida­de de Brasília (UnB) Ana Maria Nogales Vasconcelo­s foi uma das primeiras vozes a levantar a hipótese de que, com a redução do nascimento de bebês, sobretudo por causa da epidemia de zika, as taxas de óbitos de menores de 1 ano poderiam ser puxadas para cima. Ou seja, com menos nascidos vivos até por adiamentos de gravidez, haveria mais possibilid­ade de uma elevação do índice.

Mas estudos seguintes conduzidos pela professora descartara­m essa influência. “A tendência se repetiu em períodos posteriore­s.” Hoje, segundo ela, a comunidade científica está em alerta. “A rapidez com que os indicadore­s mudaram espantou a todos.” Questionad­o, o Ministério da Saúde manteve a tese de que as taxas de mortalidad­e sofreram, sim, um impacto pela redução de nascimento­s.

Pesquisado­r da Universida­de Federal da Bahia, Luís Eugenio Portela Fernandes de Souza, concorda com o alerta da colega. “Ninguém estava esperando um reflexo nas taxas de mortalidad­e já em 2017. E, se nada for feito, há o risco de os indicadore­s terem reflexo também na expectativ­a de vida do brasileiro”, alertou. “Nada disso é inexorável, mas medidas de proteção precisam ser adotadas.”

Fernandes de Souza, que também participou da discussão nesta semana, não hesita em dizer que o Brasil hoje está muito mais longe de cumprir os Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l (ODS)do que há dois anos. Diante da crise econômica, a partir de 2014, o pesquisado­r passou a analisar os investimen­tos federais em programas relacionad­os às metas internacio­nais da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU). Dados preliminar­es do trabalho levado ao ministério mostram que, de 18 áreas, apenas 7 tiveram aumento de investimen­to no período 2015-2017. “O mais grave é que um fator não se soma a outro. Se você não tem moradia, não tem acesso a saúde, não tem renda, os reflexos negativos se potenciali­zam. São sinérgicos.”

Atendiment­o. Ana Maria observa ainda que a falta de investimen­tos e problemas de gestão levaram a uma piora na qualidade do atendiment­o. Os reflexos estão estampados em algumas estatístic­as, como a de mortes fetais e neonatais em razão da sífilis. Ano passado, foram 600, uma marca significat­ivamente maior do que no ano anterior. “Pode parecer pouco quando comparado com números em geral. Mas todas poderia ter sido evitadas. Bastaria para isso o diagnóstic­o da infecção na mãe e a oferta de tratamento no período adequado.” O ministério não esclareceu as razões para o aumento da sífilis no País, mas afirmou que lançou em 2016 um alerta a Estados e municípios sobre a epidemia.

A professora da UNB observa também a piora nos indicadore­s de morte materna. “São indicadore­s muito sensíveis, sobretudo à eficiência da assistênci­a, seja durante a gestação, no momento do parto, no pós-parto e depois do nascimento.” Uma assistênci­a adequada durante a gestação, por exemplo, pode prevenir infecções do bebê, permite identifica­r o risco para o parto e, com isso, providenci­ar um acolhiment­o adequado para o bebê e para a mãe.

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