O Estado de S. Paulo

Primavera no prato

A primavera ainda não chegou, mas os pratos andam mais coloridos do que nunca. Tudo graças a alguns produtores que estão cultivando variedades exóticas de legumes e hortaliças. Pode reparar, tem cenoura roxa, beterraba amarela, rabanete bicolor,..

- Renata Mesquita

Cenouras roxas, beterrabas douradas e outros legumes de cores incomuns ganham cardápios de restaurant­es.

Cenouras roxas, amarelas e vermelhas, beterrabas douradas, quiabo roxo, rabanetes de casca branca e polpa cor-de-rosa, couve-flor roxa. Legumes e verduras de cores incomuns estão cada vez mais presentes nos mercados e nos pratos de restaurant­es. Eles viram trunfo em tempos em que os vegetais andam em alta. Estimulam a imaginação e estão deixando a mesa mais bonita e colorida.

Muito além da beleza, tal diversidad­e abre um novo universo de sabores para os chefs. Com menu-degustação que varia a cada estação, Ivan Ralston, do Tuju, reconhece a importânci­a do movimento de resgate dessas plantas. “Cada variedade de um legume ou hortaliça tem suas caracterís­ticas, o que ajuda a enriquecer a nossa cozinha. É como se fossem mais letras para compor uma frase.”

As cenouras de diferentes cores, por exemplo, parecem bem similares entre elas, mas ao se trabalhar com cada uma se descobre seu potencial: uma tem bastante amido, outra é mais fibrosa. O rabanete de casca branca e interior rosa, conhecido como rabanete melancia ou koshi, é ardido assim como o tradiciona­l, mas muito mais doce. Há diferença de sabor também na beterraba dourada. “Ela tem sabor mais terroso e menos doce que a tradiciona­l”, diz o chef Luiz Filipe Souza, do Evvai. Ele usa duas variedades, lado a lado, no prato que combina beterraba amarela assada, farinha de Uarini e zabaglione de beterraba vermelha.

As variedades coloridas andam mais fartas por aqui, porém o abastecime­nto ainda é irregular. Para contornar o problema, a chef carioca Nathalie Passos, do Naturalie Bistrô, no Rio, tem um truque. “Esses legumes têm sabor diferente e costumam impression­ar os clientes pelo visual. Porém, como a disponibil­idade varia, utilizo em pratos do dia, o que também estimula a minha criativida­de”, conta.

Um dos motivos para o abastecime­nto oscilar é o fato de a maioria dessas sementes não serem brasileira­s. Ou seja, é mais difícil de encontrar e manejar.

Mas o que a princípio parece resultado do trabalho de cientistas é, na realidade, fruto do exercício de alguns produtores que se voltaram ao cultivo de variedades de legumes e verduras exóticos ou esquecidos. Tratados como novos, eles são, na realidade, muito antigos – e não, como se pensa, resultado de modificaçã­o genética. São variedades em grande parte europeias que foram sendo deixadas de ser plantadas pela agricultur­a tradiciona­l, que concentrou e limitou cultivos para simplifica­r a produção. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o tomate, que tem mais de 400 variedades, mas a quantidade disponível no mercado não chega nem perto disso.

A cenoura é outro caso, a cor laranja que impera atualmente não seria a original – há registros de que até o século 16 as cenouras predominan­tes eram brancas ou roxas. A cor laranja teria sido desenvolvi­da na Holanda para homenagear o rei Guilherme I de Orange. Boa parte dessas variedades está sendo trabalhada por produtores orgânicos ou que se preocupam com as boas práticas do plantio. O resultado são hortaliças que concentram mais sabor, além da cor.

Ubaldo Angelini, que há quase uma década ficou conhecido por plantar as pimentas peruanas, ajís, na chácara Rancho Alegre, em Piedade, anda experiment­ando o cultivo de variedades de legumes e hortaliças coloridos após a demanda de chefs. “Me interessei em fazer testes na terra para os chefs”, conta Angelini, que não fornece para pessoa física. Assim, ele começou a plantar as variedades exóticas que hoje fornece para casas como A Casa do Porco, Chef Vivi, Balaio e Maní.

Outro pioneiro nessa missão foi o francês David Ralitera, da Fazenda Santa Adelaide. Para David, a motivação para trabalhar com outras variedades veio principalm­ente do desejo de se manter fiel à sazonalida­de. “Foi uma forma que encontrei para aumentar a diversidad­e dos meus produtos em uma mesma estação do ano e manter a filosofia da sazonalida­de”, explica David, que fornece seus orgânicos tanto para restaurant­es – como Capivara, Evvai, Corrutela, Tuju, Balaio e Mensa – como para pessoas físicas, pela assinatura de cestas. Também para esses clientes ele pensa na diversidad­e: “Não posso mandar três semanas seguidas as cestas com os mesmos produtos”.

A melhor notícia para quem cozinhaouf­requentare­staurantes é que esta nova onda está apenas começando.

 ??  ??
 ??  ?? Beterraba amarela. Corrutela serve homus de beterraba amarela, com a própria, manga salgada e quinoa crocanteRa­banete rosa, cenourarox­a. Salada com mix de legumes do Esther Rooftop Cenoura roxa. Variedade está na salada mista do Maní
Beterraba amarela. Corrutela serve homus de beterraba amarela, com a própria, manga salgada e quinoa crocanteRa­banete rosa, cenourarox­a. Salada com mix de legumes do Esther Rooftop Cenoura roxa. Variedade está na salada mista do Maní
 ??  ?? Legumes coloridos. No Piccolo, o peixe fresco vem com produtos da estação
Legumes coloridos. No Piccolo, o peixe fresco vem com produtos da estação
 ??  ?? Cenoura de duas cores. No Mensa, o legume vem em duas texturas e cores com lentilhas
Cenoura de duas cores. No Mensa, o legume vem em duas texturas e cores com lentilhas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil