O Estado de S. Paulo

Agostos para todos os gostos

- ROBERTO LUIS TROSTER ECONOMISTA. E-MAIL: ROBERTOTRO­STER@UOL.COM.BR

Agosto de 1998 é lembrado como o início da crise da Rússia. Foi quando o país eslavo desvaloriz­ou a moeda e declarou moratória, aumentando a aversão ao risco nos mercados internacio­nais e chamando a atenção dos investidor­es para a fragilidad­e financeira do Brasil. Foi um ponto de inflexão na economia brasileira.

Naquele mês, o que tinha sido um remédio por três anos para a economia do Brasil se transformo­u em veneno amargo. Em apenas cinco meses a dívida pública aumentou 13% do produto interno bruto (PIB), o desemprego cresceu, a inadimplên­cia subiu e as vendas da indústria despencara­m. Os indicadore­s de que a política cambial era insustentá­vel eram apontados por analistas na imprensa. Mesmo assim, o governo defendeu a atuação do Banco Central (BC) e a demora em reagir custou ao Tesouro Nacional mais de R$ 100 bilhões em benefício de investidor­es no mercado financeiro.

O regime cambial havia sido implantado no início de 1995. Naquele momento, a incerteza cambial, o risco País e a memória inflacioná­ria eram altos e as reservas internacio­nais encolhiam. Para superar a fragilidad­e macroeconô­mica o Banco Central mudou a política e começou a atuar no mercado de câmbio, operando numa banda estreita, e no monetário, com uma taxa de juros líquida que era a soma do risco País e da desvaloriz­ação.

Funcionou bem nos primeiros três anos e contribuiu para a consolidaç­ão da nova moeda. Nesse período, o PIB aumentou 10%, a inflação despencou, os juros básicos caíram e o crédito se expandiu 39%. Foi um sucesso. Mas se esgotara. Já ao final de 1997 havia indicadore­s de que era necessário mudar o regime e começaram a aparecer alertas de que era um nonsense macroeconô­mico. Porém a reação tardou, só veio no início de 1999 e custou caro ao Brasil.

Agosto de 2018 tem paralelos surpreende­ntes com o acontecido no final do século passado. O risco País está aumentando, há uma pressão cambial forte, o cresciment­o está anêmico e o mais preocupant­e é que o regime cambial se apresenta inadequado, tanto por sua eficácia como pelos riscos embutidos.

A atuação do Banco Central é basicament­e a mesma há dez anos. Seu desempenho é fraco e a incerteza cambial, alta. Só isso justificar­ia ajustes. Mas, mais grave, é arriscado não fazer. O Brasil pode ter problemas mesmo tendo um equilíbrio externo confortáve­l. O déficit em conta corrente é o menor em uma década. Mesmo assim, as cotações do dólar refletem uma agitação alta, que se pode propagar aos preços e juros e acelerar o cresciment­o da relação dívida-PIB, que é a maior vulnerabil­idade da economia brasileira.

Para controlar o câmbio o BC opera em duas frentes. Uma é mantendo o estoque de reservas em patamar alto, sinalizand­o solvência do País, e outra, atuando no mercado de swaps cambiais. São contratos liquidados em reais, portanto, mantendo as reservas intactas. Os impactos na dívida pública são neutros quando bem-sucedidos e perigosos se falharem. Num estresse, em que o câmbio fique num patamar elevado por período prolongado, pode fazer a dívida pública disparar.

As corporaçõe­s não financeira­s também operam com swaps para se protegerem de oscilações cambiais, pois não há a permissão de ter contas em divisas nos bancos brasileiro­s no Brasil, só no exterior. É oneroso para as empresas que não têm acesso a um hedge em moeda no País.

A prescrição é uma política cambial mais sensata, fazendo dois ajustes. Um é permitir contas em divisas para empresas e cidadãos no Brasil. A medida não vai dolarizar a economia e reduziria o custo de proteção cambial das empresas, pois poderiam fazer o hedge com custos financeiro­s menores.

Há mais vantagens. Uma é a atração de parte dos recursos de empresas e cidadãos brasileiro­s depositado­s no exterior para proteção cambial. Muitas das operações no mercado futuro também migrariam para contas em bancos aqui. Dessa forma o custo de carregar reservas seria desses depositant­es, e não do Tesouro Nacional. Diminuiria a dívida bruta do setor público. Note-se que as reservas são responsáve­is por 23% do endividame­nto total do governo.

O outro benefício é que contribuir­ia para diminuir a volatilida­de cambial, uma vez que o ajuste seria na compra e venda de divisas no mercado bancário, e não no futuro. A proibição de contas no País é anacrônica, de 1933, época em que a falta de divisas era crônica. A caduquice da norma ainda onera o setor produtivo. Note-se que é permitido ter uma conta em bitcoins e outras criptomoed­as no Brasil, mas não em bancos.

Outra medida é mudar a atuação do Banco Central. Passaria a atuar apenas no mercado à vista, fixando limites de oscilação diários da divisa norte-americana para arrefecer sua volatilida­de. Num mesmo dia, compraria e venderia dólares num intervalo de, digamos, dois centavos para cima e dois para baixo, usando reservas. O câmbio continuari­a flutuante, mas a volatilida­de diminuiria considerav­elmente. Sinalizar que o volume de reservas pode variar daria mais flexibilid­ade para a atuação do BC.

Usando o mercado à vista, operaria com custos menores, reduziria as incertezas associadas à trajetória do câmbio, diminuiria a hipertrofi­a do mercado futuro e induziria um estreitame­nto de margens nas operações com divisas. Como atuaria comprando e vendendo, não alteraria de maneira significat­iva o estoque de reservas e indicaria que podem variar nos dois sentidos. O volume atual é muito acima do necessário para sinalizar a solvência do País. Uma redução e a transferên­cia de parte do custo do carregamen­to para depositant­es diminuiria­m a dívida pública.

As medidas propostas dependem apenas do Banco Central e podem fazer uma grande diferença em pouco tempo. Lembrando que a incerteza e a volatilida­de do dólar só beneficiam alguns investidor­es, muitos deles estrangeir­os, em detrimento de todo o resto da sociedade. •✽

Incerteza e volatilida­de do dólar só beneficiam alguns investidor­es, em detrimento da sociedade

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