O Estado de S. Paulo

A farra dos sindicatos

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Ajulgar pela grave denúncia oferecida pela Procurador­ia-Geral da República (PGR) contra o grupo político que passou a atuar no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a partir de 2016 – “sob influência do PTB e do SD” –, o órgão foi tomado por uma “organizaçã­o criminosa” disposta a “fazer negociaçõe­s ilícitas de registros sindicais”. O grupo é acusado de “vender” registros sindicais para entidades dispostas a pagar propina para escapar da “burocracia existente” na Secretaria de Relações do Trabalho.

“Os elementos probatório­s reunidos no inquérito indicaram que representa­ntes das entidades sindicais ingressam no esquema criminoso em razão da burocracia existente na Secretaria de Relações do Trabalho, que dificulta – e muitas vezes impede – a obtenção de registro àqueles que se recusam a ofertar a contrapart­ida ilícita que lhes era exigida”, destacou a PGR.

Na denúncia de 91 páginas, a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, detalha o funcioname­nto da suposta “organizaçã­o criminosa”, dividida por ela em cinco “núcleos”, quatro dos quais são objeto da peça acusatória: “administra­tivo”, “sindical”, “político” e “captador”. No total, foram denunciada­s 26 pessoas, incluindo o ex-ministro Helton Yomura, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, os deputados federais

Jovair Arantes (PTBGO), Cristiane Brasil (PTBRJ), Paulinho da Força (SDSP), Wilson Santiago Filho (PTB-PB) e Nelson Marquezell­i (PTB-SP) e outros. São acusados de integrar o chamado “núcleo político”, que seria o núcleo responsáve­l por “indicar e manter os integrante­s do núcleo administra­tivo (que aceleravam a tramitação dos processos de registro) em suas funções comissiona­das” no MTE.

A denúncia foi oferecida ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Edson Fachin, e baseou-se em provas colhidas no âmbito da Operação Registro Espúrio, além de informaçõe­s e outras provas oferecidas por um exfuncioná­rio do MTE que celebrou um acordo de colaboraçã­o premiada com a PGR.

Hoje, o Brasil tem cerca de 17,2 mil sindicatos registrado­s, 70% representa­ndo interesses dos trabalhado­res e os outros 30%, dos empregador­es. São sindicatos demais, em número que desafia o bom senso. Só em 2006, durante o governo do ex-presidente Lula da Silva, o MTE autorizou o registro de 9.382 entidades sindicais, mais da metade do atual número. Ou seja, a farra dos sindicatos é um problema antigo e revela uma “cultura sindicalis­ta” que, entre outras razões, parece destinada a absorver tantos recursos quanto possível, seja da União, seja dos trabalhado­res.

Em 2016, antes, portanto, do início da vigência da Lei n.º 13.467/2017, que instituiu a chamada reforma trabalhist­a, os sindicatos de empregados e empregador­es movimentar­am, no total, cerca de R$ 3,5 bilhões. Desde novembro de 2017, quando a lei entrou em vigor, a arrecadaçã­o dos sindicatos vem caindo substancia­lmente com o fim do chamado imposto sindical, obrigando os sindicatos a adotar duros ajustes fiscais e a rever suas formas de atuação, antes amparadas por uma fonte inesgotáve­l de recursos financeiro­s.

Foi esta torrente de dinheiro fácil que alimentou ao longo dos anos a proliferaç­ão dos sindicatos no País, muitos deles bem distantes da proteção dos interesses dos trabalhado­res. Alguns foram transforma­dos em apêndices de partidos políticos. Não foi por outra razão que o fim da contribuiç­ão sindical obrigatóri­a – uma excrescênc­ia já no nome –, foi uma das inovações benfazejas trazidas pela Lei n.º 13.467/2017.

Em países como os Estados Unidos, França e Reino Unido, com grande tradição de lutas sindicais, há pouco mais do que uma centena de sindicatos. Na Argentina, são cerca de 90. Não é razoável supor que os números de categorias profission­ais e interesses laborais a serem resguardad­os naqueles países são tão menores do que os que existem aqui. Caso seja recebida pelo STF, a denúncia oferecida pela PGR contra o grupo político acusado de delinquir no MTE poderá ajudar o País a entender a brutal discrepânc­ia.

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