O Estado de S. Paulo

Fala bonita, mas vazia

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

“Areforma política é a mãe de todas as reformas.” Com esse mantra, muitos defendem que o grande problema do Brasil é o sistema político, caracteriz­ado por elevado número de partidos e fraco vínculo dos parlamenta­res com o eleitor.

Os muitos partidos sem afinidade de crenças e ideologias entre seus afiliados reduziriam o compromiss­o dos políticos com os princípios partidário­s. Diminuiria, assim, o apoio a políticas públicas para o bem comum, em favor de interesses paroquiais. Esse quadro dificultar­ia a construção de consensos para a aprovação de reformas e enfraquece­ria a democracia.

Os números são convincent­es. Há atualmente 25 partidos com cadeira no Congresso brasileiro; 37 na confusa Argentina; e 9 no Chile reformista.

Há ampla discussão sobre a necessidad­e de adotar um outro sistema para eleição de deputados e vereadores. Alguns defendem migrar do atual sistema proporcion­al para o voto distrital ou o híbrido voto distrital misto, como forma de melhorar a representa­tividade da sociedade no Congresso e também reduzir o custo das campanhas.

Mais ainda, diante da instabilid­ade no Executivo, com dois processos de impeachmen­t, há os que defendem o parlamenta­rismo, já que, na prática, estaríamos próximos desse regime.

Não existem regras ideais. Cada sistema e regime tem suas virtudes e defeitos. Por isso, alguns defendem inclusive deixar tudo como está. Como ensina Carlos Pereira, não há evidências empíricas que justifique­m a adoção de um ou outro sistema eleitoral.

Diferente do debate econômico, que muito tem avançado – com crucial contribuiç­ão do time econômico por explicitar a gravidade das contas públicas e a necessidad­e de reformas –, não parece haver ainda maturidade no debate sobre a reforma política. O máximo que se pode afirmar é que há algum apoio ao sistema distrital misto. Ele foi aprovado pelo Senado em 2017, mas enfrenta resistênci­as na Câmara.

Mexer nesse vespeiro no próximo ano não seria sábio. Corre-se o risco de não dar em nada e, pior, de se congestion­ar o debate em torno das reformas econômicas urgentes.

Injusto dizer que nada foi feito pelo Congresso nos últimos anos.

Em 2015, houve mudança da regra de fidelidade partidária, que anteriorme­nte estimulava a criação de novos partidos. Em 2017, mais duas importante­s reformas por meio de emenda constituci­onal, visando a reduzir o número de partidos. Primeiro, introduzin­do a cláusula de barreira (imposição de condições de desempenho eleitoral para o partido ter acesso ao fundo partidário e ao tempo na TV e no rádio) e, segundo, estabelece­ndo o fim das coligações (proporcion­ais) para a eleição de deputados e vereadores a partir de 2020.

Daqui para frente começaremo­s a ver o impacto dessas mudanças. Convém, portanto, “virar o disco” sobre o tema da hiperfragm­entação partidária. A própria política encontra mecanismos para lidar com essa realidade. Um exemplo é a formação do chamado Centrão, que eleva o poder de barganha de partidos nanicos no jogo democrátic­o. Quem sabe, no futuro, o Centrão irá parcialmen­te se converter em um novo partido.

Outra importante ressalva é que o cresciment­o do Centrão decorre, em alguma medida, da falta de liderança dos presidente­s da República no Congresso. Com Dilma, que não era afeita ao diálogo, o Centrão cresceu; com Temer, ele começava a se desmontar, até que vieram os escândalos envolvendo o presidente.

Talvez mais importante será discutir sobre o peso das bancadas no Congresso – como a da agropecuár­ia, a evangélica e a da bala –, que distorcem a representa­ção da sociedade no parlamento, e a necessidad­e de regulament­ar a atividade de lobby.

A agenda política é importante, mas não é “para ontem”. E tampouco produziria frutos no curto prazo. Ela não deveria ser prioridade do início do mandato do próximo presidente.

Urgente mesmo são as reformas fiscais e a agenda de cresciment­o para colocar o País de pé. Sem elas, nem haverá país para fazer reforma política.

Talvez mais importante será discutir sobre o peso das bancadas no Congresso

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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