O Estado de S. Paulo

Juventude em discussão

Filmes como ‘Yonlu’ e ‘Ferrugem’ refletem o mundo da internet

- Luiz Carlos Merten

Além de ser premiado autor de teledramat­urgia, George Moura também é roteirista e/ou consultor de roteiros para cinema. Exerceu a função em Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor, e o filme venceu o prêmio da categoria – o Redentor – no Festival do Rio do ano passado. Moura também é consultor no roteiro de Ferrugem, e o longa de Aly Muritiba venceu os Kikitos de melhor filme e roteiro no recente Festival de Gramado. Com todas as diferenças que possam ter, Aos Teus Olhos e Ferrugem – que estreia nesta quinta, 30 – compartilh­am um tema da maior atualidade e importânci­a, os linchament­os morais na era da internet.

Acusado de pedofilia nas redes sociais, o professor de natação Daniel de Oliveira não tem nem chance de se defender em Aos Teus Olhos. E a adolescent­e de Ferrugem vira pária social na escola depois que vaza o vídeo que o namorado e ela fizeram, tendo relações sexuais. Nesta quinta também estreia Yonlu, de Hique Montanari, baseado na história real de garoto de 16 anos que foi buscar apoio num grupo de suicidas na internet. Em vez de um abraço amigo para enfrentar – e superar – a crise, recebeu o empurrão para a morte e suicidou-se diante da câmera. Que mundo é esse? O que está ocorrendo com essa juventude refém do celular, das redes sociais? Que tipo de crise, que mal-estar a consome?

São questões que interessam aos pais, a educadores e aos jovens, bem-entendido. O cinema escancara a angústia. Na semana passada estreou Benzinho, de Gustavo Pizzi, coescrito pelo diretor com sua atriz e ex-mulher, Karine Teles. Benzinho é belíssimo – em Gramado, concorrend­o com Ferrugem, venceu os Kikitos de melhor filme do público e da crítica, mais os prêmios de melhor atriz e melhor coadjuvant­e, para Karine e Adriana Esteves. Apesar dos prêmios, e elogios, Benzinho está fazendo uma miséria de público, seguindo as pegadas de outros filmes elogiados – O Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida, e Como É Cruel Viver Assim, de Júlia Rezende. Ou seja – a par dos problemas sociais, existencia­is (e estéticos) que todos esses filmes colocam, há também o estigma.

A produtora Mariza Leão radiografo­u o problema na edição de domingo, 26, do Estado. O mercado está hoje formatado para os blockbuste­rs, não existe mais espaço para o filme pequeno, ou mesmo médio, autoral. Esse outro cinema tem de procurar alternativ­as, plataforma­s, provedores. O futuro, sentencia Mariza, é Netflix, é Amazon. Ferrugem e Yonlu, com toda a sua complexida­de e riqueza, estão entrando para o sacrifício? Para se somar às estatístic­as dos filmes de 10 mil caso também da anteriores? Essa talvez seja uma avaliação reducionis­ta, porque Aos Teus Olhos e Ferrugem integram uma carteira de filmes da Globo que, na emissora, são chamados de ‘pequenos grandes filmes sobre temas urgentes’. A Globo Filmes seleciona esses projetos e os produz por meio da renúncia fiscal. São filmes que têm supervisão artística de Guel Arraes e George Moura para a emissora, um com crédito de produção, outro de supervisão de roteiro. E, embora eventualme­nte possam fazer público reduzido nos cinemas, são filmes que depois passam em horáriosno­bresdaemis­sora,atingindon­úmerosdees­pectadores­compatívei­s com os de blockbuste­rs.

Tal é a importânci­a de um filme como Ferrugem. Do ponto de vista do diretor e corroteiri­sta Muritiba, pode-se dizer que suas ficções – caso, também, da anterior Para Minha Amada Morta – são contaminad­as por sua atividade como documentar­ista, que decorre, e muito, da função primeira como agente penitenciá­rio. Seu documentár­io O Agente é muito fruto dessa experiênci­a, que depois se reflete nas ficções, que são histórias de crimes. Tanto Para Minha Amada Morta como Ferrugem contam histórias sobre como imagens – a descoberta de um vídeo que expõe um adultério, outro vídeo que transforma uma garota numa vadia para a comunidade inteira de WhatsApp da sua escola – levam a desdobrame­ntos perigosos.

Ferrugem divide-se em duas partes. Na primeira, pelo ângulo da garota, o que se conta é a história do vazamento do vídeo. Na segunda, do ângulo de um amigo, não apenas as consequênc­ias como descoberta­s – revelações surpreende­ntes. Para Muritiba, suas duas ficções – vem aí uma terceira, Deserto Particular – estão embasadas num fenômeno muito contemporâ­neo. O temor do homem diante do empoderame­nto feminino, dessa nova mulher que não tem mais medo de assumir sua sexualidad­e. Do ponto de vista da carteira de filmes globais, o tema é outro – os jovens dominam as ferramenta­s dos celulares, dos aplicativo­s, mas ainda não têm maturidade para avaliar suas implicaçõe­s morais. Diante disso, as eventuais fraquezas narrativas de Ferrugem tornam-se secundária­s.

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OLHAR DISTRIBUIÇ­ÃO ‘Ferrugem’. Linchament­o moral na era da internet
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RODRIGO MARRONI ‘Yonlu’. O mal-estar que corrói

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