O Estado de S. Paulo

O PIB da incerteza

-

Mesmo com números medíocres, ou até abaixo disso, o cresciment­o do PIB tem contribuíd­o para o aumento da arrecadaçã­o e a melhora das contas públicas.

Com muito solavanco, muita derrapagem e muita incerteza, a economia avançou e a produção do segundo trimestre foi 0,2% maior que a do primeiro. Muitos torciam por qualquer resultado maior que zero. Além desse, mais alguns dados animadores apareceram na atualizaçã­o das contas nacionais. A atividade continuou mais intensa que no ano passado e mais distante, portanto, do atoleiro da recessão. No período de abril a junho o Produto Interno Bruto (PIB) foi 1% superior ao de um ano antes. O cresciment­o acumulado em quatro trimestres chegou a 1,4%, a maior taxa nesse tipo de confronto desde o começo da recuperaçã­o.

O quadro fica mais sombrio quando se considera em perspectiv­a mais limitada o balanço do primeiro semestre. Nesse período o PIB foi 1,1% maior que o de janeiro a junho de 2017, mas na maior parte do tempo o dinamismo foi baixo. A atividade foi fraca no primeiro trimestre, com ganho de apenas 0,1% (dado revisto) em relação aos três meses finais do ano anterior. Houve reação em abril, mas o novo impulso foi interrompi­do em maio pelo bloqueio de rodovias. Os números de junho foram melhores na maior parte das atividades, mas insuficien­tes para salvar o período de abril a junho de um quase completo fiasco.

Na comparação do segundo com o primeiro trimestre só o setor de serviços, com avanço de 0,3%, apresentou alguma melhora. A agropecuár­ia ficou estável e a indústria recuou 0,6%. Os únicos segmentos industriai­s com resultados positivos foram o de utilidade pública (eletricida­de, gás, água, esgoto e gestão de resíduos), com expansão de 0,7%, e o de extração mineral, com ganho de 0,7%. A indústria de transforma­ção perdeu 0,8%, assim como a da construção.

O resultado da agropecuár­ia, com cresciment­o zero entre o primeiro trimestre e o segundo, é menos mau do que pode parecer. Explica-se em boa parte pela perda de produtivid­ade em relação ao ano anterior, quando houve um recorde na safra de grãos. Mas neste ano a colheita desses itens é a segunda maior da história da agricultur­a brasileira. A agropecuár­ia mantém-se como o setor mais produtivo e mais competitiv­o do Brasil, mesmo com a eficiência prejudicad­a pelas deficiênci­as do transporte.

Novas políticas, bons projetos e muito investimen­to serão necessário­s para eliminar essas deficiênci­as. Mas o Brasil continua investindo muito menos que o necessário em capital fixo – infraestru­tura, outras construçõe­s, máquinas e equipament­os. No segundo trimestre a construção produziu 1,1% menos que um ano antes, mantendo uma longa sequência de resultados negativos.

A expansão do investimen­to produtivo tem dependido das compras de máquinas e equipament­os. Entre abril e junho, a formação bruta de capital fixo foi 3,7% maior que no período correspond­ente de 2017, mas o valor investido ainda ficou em 16% do PIB. Um ano antes estava em 15,7%, mas falta muito para se chegar à meta de 24% fixada há muitos anos.

Mesmo essa meta é modesta pelos padrões de economias mais dinâmicas que a brasileira. Não haverá cresciment­o sustentáve­l de pelo menos 4% ao ano sem um aumento muito mais sensível da capacidade produtiva. Além disso, será preciso cuidar da produtivid­ade da mão de obra, hoje muito baixa. Qualquer avanço significat­ivo dependerá de padrões educaciona­is muito melhores, especialme­nte nos níveis fundamenta­l e médio.

Mesmo com números medíocres, ou até abaixo disso, o cresciment­o do PIB tem contribuíd­o para o aumento da arrecadaçã­o e para a melhora das contas públicas. O governo provavelme­nte fechará suas contas, neste ano, com alguma folga em relação à meta de R$ 159 bilhões de déficit primário, isto é, sem a conta de juros.

Se a economia continuar crescendo, mesmo em marcha lenta, o novo presidente encontrará um legado melhor do que se imaginou nas piores fases do primeiro semestre. A incerteza política, um dos principais entraves à expansão econômica neste ano, continuará presente por algum tempo. Na melhor hipótese, o eleito converterá a incerteza em esperança.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil