O Estado de S. Paulo

Trump deve jogar 300 mil na ilegalidad­e

Legais na mira. Cidadãos de cinco países que entraram legalmente nos EUA graças a visto de permanênci­a especial em função de desastres naturais projetam a vida na clandestin­idade; a maioria prefere recorrer a subemprego­s a abandonar os filhos americanos

- Beatriz Bulla

Em 2017, o presidente americano, Donald Trump, anunciou que não renovaria o visto especial de permanênci­a a cidadãos de cinco países. A ideia era se livrar de 300 mil imigrantes que vivem legalmente nos EUA graças a um benefício humanitári­o criado nos anos 90, mas a decisão terá efeito indesejado. A maioria se prepara para entrar na clandestin­idade. Aceitará salários menores para evitar a separação de filhos americanos.

O Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês) é um mecanismo criado pelo Congresso para amparar imigrantes que, em razão de desastres naturais ou de conflitos armados, não podem retornar em segurança a seus países. Aos hondurenho­s, por exemplo, foi concedido após o furacão Mitch, em 1999. Aos salvadoren­hos, em 2001, após dois terremotos.

A autorizaçã­o sempre foi renovada pelo governo, até que Donald Trump chegou à Casa Branca. O presidente acabou com o TPS para imigrantes de El Salvador, Honduras, Nicarágua, Haiti e Sudão – e deu prazo para que eles deixem os EUA. O argumento é que os efeitos da tragédia já passaram. Permanecem com direito ao benefício os cidadãos de Síria, Nepal, Somália, Sudão do Sul e Iêmen. Por enquanto.

A decisão de não renovar o TPS de países da América Central ignorou avisos da diplomacia americana. Na última semana, documentos foram incorporad­os a um processo judicial que tenta derrubar a decisão de Trump.

Em julho, uma juíza federal de Boston permitiu a continuida­de de uma ação que argumenta que o governo usou razões discrimina­tórias contra latinos e negros para revogar a permanênci­a temporária dos imigrantes. A Casa Branca ainda tenta interrompe­r o andamento do caso.

Em Washington, o salvadoren­ho Nelsy Umanzor lembra de quando cruzou o Deserto do Arizona para chegar aos EUA, há mais de 17 anos, em busca do benefício. Quando conseguiu o TPS, ele trouxe o filho, que vivia com avó. Nos EUA, teve outras três crianças com a mulher, Rosa – todos cidadãos americanos.

Até setembro de 2019, ele e Rosa terão duas opções: ficar ilegalment­e ou voltar para El Salvador. Se voltarem, precisam decidir o que fazer com as crianças. O mais novo é Isaías, de 7 anos, que se sente mais confortáve­l conversand­o em inglês do que em espanhol.

“Vamos ficar aqui, mas vamos voltar às sombras”, diz Nelsey. O emprego na limpeza de um hotel ele sabe que perderá, mas diz que não pode deixar para trás os filhos. “Meus filhos mais velhos podem ficar e trabalhar. Mas os mais novos dependem de nós. Estamos há mais tempo aqui do que em nossos países.” El Salvador é o país com a maior comunidade de imigrantes com TPS. São 195 mil – 30 mil apenas na capital americana.

Também salvadoren­ho, Luis Alvarez sempre trabalhou legalmente nos EUA. Ele exibe sua carteirinh­a de permanênci­a, que carrega todos os dias no bolso da calça. Foi ela quem permitiu que ele trabalhass­e na lanchonete do Capitólio. O documento, contudo, tem data de expiração: 9 de setembro de 2019. Ele também pretende ficar, mesmo sob risco de deportação.

As maiores comunidade­s com o chamado TPS são as de salvadoren­hos e hondurenho­s. Os primeiros a sair, pelo novo cronograma do governo americano, serão os sudaneses, que a partir de novembro deste ano já não terão mais a permissão de permanênci­a. A partir daí, comunidade­s da Nicarágua, Haiti, El Salvador e Honduras, nesta ordem, ficarão sem o registro em datas que vão de janeiro de 2019 a janeiro de 2020.

Críticas. “A Casa Branca queria a revogação da permissão, não por causa da situação desses países na América Central, mas pelos próprios interesses políticos”, disse Geoff Thale, da organizaçã­o Washington Office on Latin America (Wola). Segundo ele, mesmo aqueles que forem obrigados a ir embora, se não forem incorporad­os à economia local, tentarão voltar aos Estados Unidos de forma ilegal.

Na maioria dos casos, Thale acredita que o efeito será “devastador” para as famílias que passarem à ilegalidad­e. “Eles irão do mercado legal para os trabalhos informais, serão mais mal remunerado­s, estarão menos aptos a sustentar suas famílias”, afirma.

Donald Kerwin, diretor do Centro para Estudos Migratório­s, de Nova York, também critica a nova política do governo americano. “Não se trata só da ideia de construir um muro para impedir a imigração ilegal. Isso era o candidato Trump. Como presidente, o que ele tem feito é desmontar programas de imigração legal”, afirma. “O governo americano tem as informaçõe­s dessas pessoas, porque obviamente esteve atualizand­o esses dados ao longo dos anos”, conclui Kerwin.

“Se não respeitáss­emos as leis, tudo bem nos mandarem embora. Vamos lutar para ficar” Luis Alvarez, imigrante salvadoren­ho

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BEATRIZ BULLA/ESTADÃO Escolha. Nelsy Umanzor (de azul), com a mulher e os filhos, na entrada de sua casa; família será separada se casal perder direito de permanênci­a nos EUA
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BEATRIZ BULLA/ESTADÃO

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