O Estado de S. Paulo

NOVA GERAÇÃO DE TRANSGÊNIC­OS, 20 ANOS DEPOIS

Polêmica persiste na opinião pública, enquanto adesão é de 92% no cultivo de soja e de 94% no de algodão

- Herton Escobar

Quase 100% da produção brasileira de soja, milho e algodão é hoje transgênic­a, 20 anos depois de a tecnologia ser aprovada no País. São 53 milhões de hectares plantados, o equivalent­e a duas vezes o Estado de São Paulo, relata Herton Escobar. Novas tecnologia­s, que fazem apenas modificaçõ­es pontuais nos genomas, prometem ampliar o cardápio de plantas geneticame­nte modificada­s disponívei­s para o consumidor.

Quando era presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegura­nça (CTNBio), no fim dos anos 1990, Luiz Antonio Barreto de Castro costumava dizer aos críticos da soja transgênic­a que o abordavam em audiências públicas e nas reuniões do colegiado em Brasília: “Está aqui meu RG; se alguém passar mal comendo essa soja, eu quero ser preso”, conta o pesquisado­r, um dos pioneiros da biotecnolo­gia no Brasil. “Estou solto até hoje.”

A soja transgênic­a Roundup Ready (RR), da Monsanto, foi aprovada por unanimidad­e pela CTNBio em setembro de 1998, sob fortes críticas de entidades ambientali­stas e de defesa do consumidor. Vinte anos depois, as polêmicas que cercam os alimentos geneticame­nte modificado­s persistem na opinião pública, mas não no campo. Quase 100% da produção brasileira de soja, milho e algodão agora é transgênic­a, com 53 milhões de hectares plantados – uma área equivalent­e a duas vezes o Estado de São Paulo.

A taxa de adoção da tecnologia chegou a 92% para a soja, 87% para o milho e 94% para o algodão, o que rendeu aos produtores um lucro acumulado no período de R$ 35,8 bilhões, ligado à redução de gastos e aumento da produtivid­ade proporcion­ados pela tecnologia, segundo um levantamen­to inédito da consultori­a Agroconsul­t, ao qual o Estado teve acesso com exclusivid­ade.

Consideran­do os benefícios para a economia brasileira como um todo – incluindo na conta, por exemplo, o aumento no comércio de máquinas, insumos agrícolas, e criação de empregos –, o ganho coletivo é ainda maior: R$ 45,3 bilhões.

“Os ganhos com a tecnologia extrapolam a fazenda e acabam benefician­do toda a economia”, diz a coordenado­ra do estudo e sócio-analista da Agroconsul­t, Débora Simões.

Outro benefício é a redução no uso de defensivos agrícolas, que representa uma das principais vantagens estratégic­as da tecnologia. Segundo o estudo, o uso de sementes geneticame­nte modificada­s evitou que 839 mil toneladas de herbicidas e inseticida­s fossem aplicadas sobre as lavouras dessas três culturas nos últimos 20 anos.

Quase todos os transgênic­os aprovados até agora para a agricultur­a no Brasil – 76 produtos no total – são plantas geneticame­nte modificada­s para serem resistente­s a herbicidas ou insetos (veja infográfic­o nesta página). O objetivo com isso é facilitar o manejo e melhorar o controle de pragas, o que acaba benefician­do também a produtivid­ade das lavouras – apesar de os genes em si não aumentarem a produtivid­ade das plantas. Segundo o estudo, os transgênic­os foram responsáve­is por um incremento de 55,4 milhões de toneladas na produção brasileira de grãos desde 1998.

“O produtor não vai pagar mais por uma tecnologia que não lhe traz benefício”, diz Adriana Brondani, presidente do Conselho de Informaçõe­s sobre Biotecnolo­gia (CIB), entidade que encomendou o estudo. “Foi uma revolução no campo”, diz o produtor Almir Rebello, presidente do Clube Amigos da Terra em Tupanciret­ã, interior do Rio Grande do Sul – região em que a

soja transgênic­a começou a ser plantada no País, antes mesmo de 1998, usando sementes contraband­eadas da Argentina (onde a soja RR já estava legalizada havia dois anos). “A facilitaçã­o do manejo foi algo impression­ante.”

Biossegura­nça. Tudo isso, sem nenhum registro de malefício à saúde humana ou ao meio ambiente, segundo especialis­tas ouvidos pelo Estado. “No mundo inteiro os transgênic­os só trouxeram benefícios”, diz Barreto de Castro, ex-chefe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnolo­gia. Ele foi o primeiro presidente da CTNBio, órgão responsáve­l por regulament­ar a avaliar a biossegura­nça de transgênic­os no Brasil, criado em 1995.

“Até o momento, não existem evidências concretas de que estes produtos possam causar malefício aos seres humanos, animais, vegetais ou ao meio ambiente”, diz a atual presidente da CTNBio e professora da Universida­de Católica de Brasília, Maria Sueli Felipe. “O processo de análise da biossegura­nça de organismos geneticame­nte modificado­s é rigoroso e absolutame­nte transparen­te.”

O principal desafio no campo é o manejo das pragas resistente­s, que surgem com o uso contínuo de qualquer pesticida – um desafio que, segundo especialis­tas, não é exclusivo dos transgênic­os, mas é potenciali­zado pelo modelo de produção ao qual eles estão associados, que envolve grandes áreas plantadas com uma mesma cultura e tratadas com o mesmo produto.

No caso do milho ou algodão transgênic­os resistente­s a lagartas, a orientação é para os produtores sempre plantarem uma parte da sua área com variedades convencion­ais (chamada de refúgio), para reduzir a população de insetos resistente­s. Mas isso nem sempre é feito, por diversas razões.

No caso da soja resistente ao glifosato, há poucas alternativ­as, como fazer rotação de culturas e usar outros produtos para eliminar as ervas daninhas resistente­s – tomando o cuidado de não prejudicar a soja. As empresas de biotecnolo­gia, por sua vez, investem no desenvolvi­mento de plantas resistente­s a outros herbicidas. Já há variedades de soja resistente­s a até três produtos, além de resistênci­a a insetos. “Solução existe, mas não é algo trivial, que você vai na prateleira e compra. É algo que exige planejamen­to”, afirma o coordenado­r de Tecnologia e Inovação da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré.

Inseguranç­a. Entidades que já questionav­am a segurança dos transgênic­os na década de 1990, porém, continuam céticas com relação à tecnologia. “É tudo ainda muito obscuro”, diz a nutricioni­sta Ana Paula Bortoletto, pesquisado­ra em alimentos no Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). “Há muitos interesses comerciais se sobrepondo aos reais fatores de segurança.”

“Nossa posição se mantém; somos contrários à maneira como esse tema é tratado no Brasil”, diz Marina Lacôrte, especialis­ta do Greenpeace em Agricultur­a e Alimentaçã­o. Segundo ela, há muitos conflitos de interesse envolvidos – inclusive dentro da CTNBio – e as liberações “ainda são feitas sem a devida responsabi­lidade”.

Rubens Nodari, da Universida­de Federal de Santa Catarina, diz que o uso de agrotóxico­s aumentou no País nesses 20 anos, e não há certeza sobre a segurança alimentar dos transgênic­os, pois nem tudo é rotulado ou monitorado para isso.

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GERMANO RORATO/ESTADÃO Pioneiros. Produtores de soja da região oeste do Rio Grande do Sul, que se tornou a primeira a cultivar grãos geneticame­nte modificado­s no País
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Transgenia. Tecnologia permite aplicar herbicida sem danificar a soja
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LUCAS LENCI/GETTY IMAGES
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GERMANO RORATO/ESTADÃO Grão à vista. Produção aumentou graças ao melhor controle de pragas

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