O Estado de S. Paulo

Renata Cafardo

- RENATA CAFARDO E-MAIL: renata.cafardo@estadao.com

A falência da educação soa como notícia velha. E o grande perigo disso é perdermos a capacidade de nos indignar.

Amatéria-prima do jornalismo é a novidade. Costumamos dizer que quando o cachorro morde o homem não é notícia, mas se o homem morder o cachorro... Sites, jornais, tevês e rádios pareciam estar falando algo conhecido e repetitivo semana passada. Brasil não melhora na educação, ensino piora, estagnação, cresciment­o tímido e poucos exemplos de boas práticas. Foi que se viu e ouviu. De novo. Mas porque foi o que aconteceu. De novo.

A sensação de déjà vu existe tanto no ensino fundamenta­l quanto no médio. Enquanto os mais novos melhoram timidament­e, os jovens não avançam e até pioram. Um ritmo que vem desde 2005.

Quando o sistema de avaliação foi implementa­do no Brasil e foram feitas as primeiras provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em meados dos anos 1990, houve quedas significat­ivas nos resultados de todas as séries. As notas de 1999 e 2001 (o exame é feito de dois em dois anos) foram as piores já registrada­s em Português e Matemática no ensino fundamenta­l e médio.

Foi a primeira vez que o Brasil teve notícia da real situação nas escolas públicas. A imprensa passou a dizer que alunos de 14 anos não sabiam ler receitas de bolo e os mais velhos não faziam contas básicas.

Naquela época, os especialis­tas justificar­am a aprendizag­em ruim com a grande inclusão de estudantes. Cerca de 25% das crianças mais pobres, no início dos anos 1990, estavam fora da escola, por exemplo. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foi criado o Fundef, um fundo que reunia impostos de Estados e municípios e depois redistribu­ía o dinheiro conforme o número de alunos matriculad­os nas escolas de ensino fundamenta­l.

Mais tarde, durante o governo Lula se ampliou o Fundef para Fundeb, incluindo todo o ensino básico (infantil, fundamenta­l e médio). O fato é que essa lógica, de quanto mais alunos mais dinheiro, fez com o País colocasse praticamen­te todas as crianças nas escolas – entre os adolescent­es de 15 a 17 anos também houve inclusão, mas 15% ainda não estão estudando.

Quando o cresciment­o se estabilizo­u, no meio dos anos 2000, as notas passaram a crescer de uma maneira mais expressiva no 5.º ano, um pouco mais tímidas no 9.º ano e com idas e vindas no ensino médio.

Foi aí que especialis­tas se animaram e passaram a falar da “onda”. Acreditava­m que quando essas crianças de 10 anos, com desempenho melhor, chegassem ao ensino médio, a nossa educação estaria salva. Todos os níveis teriam aprendizag­em adequada.

Mas a onda não chega nunca. E ano após ano noticiamos um mar calmo. Não há transforma­ção, como assistimos em países como Estônia, Cingapura e Vietnã. Grande porcentage­m de estudantes continua em níveis insuficien­tes de aprendizag­em. Mesmo aqueles que melhoram não chegam nem perto do que é preciso para enfrentar os desafios desse século.

O ensino médio, etapa mais crítica, está tão estacionad­o que até o fraco cresciment­o do 9.º ano está chegando perto. Segundo previsões do Ministério da Educação, em 2021, os meninos de 14 anos já saberão mais do que os de 17.

Talvez muitos dos leitores e telespecta­dores que se depararam com as reportagen­s sobre o Saeb semana passada tenham pensado: eu já vi isso antes. A falência da educação brasileira soa como notícia velha.

E o grande perigo disso é perdermos a capacidade de nos indignar, de nos assombrar. Assumirmos o fracasso de milhões de crianças e jovens como algo natural, como se não houvesse mudança possível. Virarmos a página, clicarmos na reportagem ao lado. Em ano de eleições, essa anestesia seria a pior doença.

O grande perigo é perdermos a capacidade de nos indignar, de nos assombrar

É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTA­S DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

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