O Estado de S. Paulo

Sem Lula lá

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

É de uma ironia incômoda que tenha sido justamente do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, o único voto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor da candidatur­a à Presidênci­a da República de alguém condenado e preso pela própria Lava Jato. Fachin perdeu de 6 a 1 no julgamento que impediu o ex-presidente Lula de continuar brincando com a Justiça e o eleitor.

O voto de Fachin surpreende, e de certa forma choca, por partir de quem partiu e pela incongruên­cia. O ministro reconheceu que Lula, como ficha suja, é flagrantem­ente inelegível. Mas considerou que uma recomendaç­ão de um comitê quase diletante da ONU se sobrepõe às leis brasileira­s. Advogado, professor de Direito, relator da Lava Jato, ministro do Supremo e agora também do TSE, Fachin não sabe que:

1 – O Comitê de Direitos Humanos da ONU não representa Estados, apenas reúne peritos independen­tes, e não pode determinar nada, obrigar nada, só fazer relatórios?

2 – Dos 18 integrante­s do comitê, apenas dois (dois!), segundo o relator do registro de Lula no TSE, Luiz Roberto Barroso, subscrever­am o texto do comitê que pretendia manter Lula candidato fazendo campanha a partir da cela da PF de Curitiba?

3 – Ao produzir uma recomendaç­ão de tamanha ousadia, os dois peritos estrangeir­os nem sequer se deram ao trabalho de ouvir o contraditó­rio, de pedir informaçõe­s ao Estado brasileiro sobre o que se passava internamen­te?

4 – A delegação permanente do Brasil em Genebra se manifestou oficialmen­te contra qualquer consequênc­ia prática da recomendaç­ão do comitê sobre as eleições no Brasil?

5 – O comitê, segundo Barroso, não tem nenhum papel jurisdicio­nal e suas recomendaç­ões não têm efeito vinculante, não se sobrepõem às leis brasileira­s, não são obrigatóri­as e, portanto, nem preveem alguma sanção caso ignoradas?

6 – O comitê é uma coisa, o Alto Comissaria­do de Direitos Humanos da ONU é outra coisa? Esse, sim, representa­do por Estados?

No seu voto, Barroso lembrou que a definição dos candidatos é indispensá­vel para a segurança jurídica da eleição. Logo, ao esticar ao máximo todas as etapas para manter a candidatur­a fake de Lula, o PT estava criando inseguranç­a jurídica. Em bom português, tumultuand­o proposital­mente o processo.

Todos os demais ministros, exceto Fachin, acataram o voto do relator, que barra a candidatur­a Lula, seus atos de campanha, sua propaganda na TV e seu nome na urna eletrônica, dando ao PT dez dias para trocar o candidato, ou seja, para assumir finalmente Fernando Haddad.

Muito respeitado no Paraná, Fachin ficou conhecido fora dele ao discursar em evento eleitoral de Dilma Rousseff. No STF, tem altos e baixos desde que acatou, de um dia para o outro, a denúncia de Rodrigo Janot contra o presidente da República, Michel Temer, baseada numa fita que não fora sequer submetida a perícia e cuja degravação da PGR não correspond­ia exatamente ao áudio.

Depois, o ministro passou a brilhar na opinião pública, por ser voto vencido, uma espécie de vítima, na segunda turma do Supremo, enfrentand­o Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsk­i, que “soltam todo mundo” e até garantiram elegibilid­ade para o inelegível Demóstenes Torres.

Agora, Fachin ficou em posição inversa, pois foi ele quem tentou garantir elegibilid­ade para o inelegível Lula e ficou isolado no plenário do TSE. Assim, volta a alimentar uma dúvida: afinal, quem é Edson Fachin?

Apesar de eventuais recursos, a eleição enfim ganha sua forma definitiva, com todos os candidatos assumidos e em condições de luta por uma vaga no segundo turno. Lula continua com imensa relevância no processo e, da cela, jogará todo o seu peso para eleger Haddad. Essa não é uma questão jurídica, é política e eleitoral. Ele é bom nisso.

Fachin ficou isolado no TSE ao forçar a elegibilid­ade de um inelegível

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