O Estado de S. Paulo

‘É melhor valorizar as eleições do que deixar de votar’

Presidente da CNBB, o cardeal Sergio da Rocha afirma que a falta de participaç­ão política é risco para a democracia

- José Maria Mayrink

O arcebispo de Brasília e presidente da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Sergio da Rocha, afirmou ao Estado que, apesar das limitações do sistema eleitoral e da necessidad­e de reforma política, é preciso valorizar o voto escolhendo os candidatos de modo consciente e responsáve­l. “Aventuras totalitári­as, seja de direita ou de esquerda, levam à desventura da opressão e a mais sofrimento para o povo”, disse o cardeal, ao defender um aprimorame­nto da democracia, que “jamais deverá ser substituíd­a por formas totalitári­as de governo”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

• A Igreja não tem partido. Qual a posição da CNBB nas eleições?

Insistimos na responsabi­lidade, no exercício consciente da cidadania, alertando para as consequênc­ias do voto, para a necessidad­e de conhecer os candidatos e suas propostas, mas também sua atuação passada na política. Além disso, temos ressaltado a necessidad­e de respeitar quem pensa diferente. O adversário ’Negociata’ • “A política não pode se tornar um balcão de negócios. Negociação política não pode descambar em negociata, com o favorecime­nto de grupos políticos ou de interesses econômicos em detrimento do bem da população.”

“Cabe aos eleitores aplicarem os critérios éticos oferecidos pela Igreja ao escolher candidatos. Não cabe à Igreja, de antemão, excluir candidatos. O primeiro tribunal eleitoral deve ser sempre a consciênci­a do eleitor.”

político não pode ser tratado como um inimigo a ser combatido. Necessitam­os mais respeito e diálogo.

• Mesmo sem citar nome de candidatos, o sr. poderia traçar o perfil ideal para um governante?

Não podem faltar a honestidad­e e o serviço efetivo à população. Os políticos não podem governar ou legislar para si ou para interesses particular­es. O povo brasileiro tem necessidad­e de políticos honestos e servidores do bem comum, especialme­nte dos pobres e fragilizad­os. Além disso, é fundamenta­l o compromiss­o com a defesa da vida nas suas várias fases e situações, com a justiça social e a construção da paz.

• A classe política vive um momento de desgaste. Existe saída na democracia fora da política?

A política desempenha papel fundamenta­l na sociedade democrátic­a. A democracia necessita ser aprimorada de modo a ser cada vez mais participat­iva. Mas jamais deverá ser substituíd­a por formas totalitári­as de governo. A reforma política é necessária, mas no estado democrátic­o de Direito; portanto, com muito diálogo e participaç­ão da sociedade civil. Aventuras totalitári­as, seja de

direita ou de esquerda, levam à desventura da opressão e a mais sofrimento para o povo.

• Há ou havia um apelo na sociedade pelo “novo”. Para o sr., o que seria o “novo” na política?

O novo tem a ver com um novo modo de exercer a política, com um basta a negociatas políticas, à corrupção e à gastança do dinheiro público. A política não pode se tornar um balcão de negócios. Negociação política não pode descambar em negociata, com o favorecime­nto de grupos políticos ou de interesses econômicos em detrimento do bem da população. Novo é quem conseguir expressar este novo modo de fazer política, de honrar o cargo entregue pelo povo nas urnas, atuando, de fato, em favor do povo.

• Quais são, em sua avaliação, os principais problemas e desafios que o Brasil enfrenta?

A lista de problemas é grande demais para ser resumida. É lamentável a negação persistent­e de direitos básicos das pessoas e das famílias, como moradia, trabalho, saúde, educação e segurança. E para responder a eles, não bastam promessas de campanha. Os candidatos para o Executivo e o Legislativ­o precisam responder de modo concreto a essas necessidad­es. Não se pode achar normal que as pessoas precisem tentar ganhar na loteria para conseguir uma casa, que enfrentem tantas dificuldad­es para serem atendidas em hospitais, que queiram trabalhar e não consigam emprego, que existam ainda tantos analfabeto­s no Brasil, dentre tantas outras situações graves.

• As eleições ocorrerão em um cenário de crise econômica e desesperan­ça. Qual o risco num ambiente como esse?

Apesar das limitações do sistema eleitoral e da necessidad­e de reforma política, as eleições são muito importante­s para os rumos do país. É melhor correr riscos, valorizand­o as eleições e participan­do delas, do que deixar de votar ou anular o voto. Risco maior se corre quando não há participaç­ão na vida política. É preciso valorizar o voto, votando de modo consciente e responsáve­l. O risco de não escolher bem não pode ser motivo para negar o direito de escolher nas urnas.

• A Igreja pode desaconsel­har o voto em algum candidato por causa de sua posição, por exemplo, na defesa do aborto?

A Igreja Católica não se pronuncia a respeito de cada candidato ou de cada partido, mas tem posição clara sobre questões referentes à vida, ao matrimônio e à família, à justiça social e à ética na vida política. Cabe aos eleitores aplicarem os critérios éticos oferecidos pela Igreja ao escolher candidatos. Não cabe à Igreja, de antemão, excluir candidatos, fazendo uma lista, mas sim ao eleitor. O primeiro tribunal eleitoral deve ser sempre a consciênci­a do eleitor.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO ‘Novo’. Para o cardeal Sergio da Rocha, presidente da CNBB, a política precisa deixar de ser um ‘balcão de negócios’, onde não pode faltar honestidad­e

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