O Estado de S. Paulo

Acordo do Cáspio é vitória de Putin e acelera integração

Após 22 anos, cinco países da Ásia Central param de discutir se área deve ser chamada como mar ou lago e pactuam exploração energética

- Rodrigo Turrer

Há pouco mais de cem anos, a principal disputa em torno do Mar Cáspio, que liga a Ásia Central à Europa, é definir se ele é um mar ou um lago. A terminolog­ia é importante porque dita como os Estados por ele banhados podem usar suas águas e dividir seus recursos energético­s. Estima-se que existam 50 bilhões de barris de petróleo e quase 8,4 trilhões de metros cúbicos de gás natural submersos. Os recursos são de interesse vital para Europa, China e Rússia.

A questão de como levar isso para Europa ou ao oceano permanecia em aberto. Por 22 anos, Rússia, Irã, Azerbaijão, Turcomenis­tão e Casaquistã­o divergiram sobre o tema. Há duas semanas, chegaram a um acordo. Reunidos no porto casaque de Aktau, representa­ntes dos países assinaram a Convenção do Mar Cáspio, que define um “status especial” ao corpo hídrico.

Basicament­e, os cinco países consideram que o Cáspio é um mar onde interessa ser mar, e um lago, onde interessa ser lago. Assim, o texto determina que a superfície da água pode ser usada livremente pelos países, mas delimita as águas territoria­is e as regiões de pesca conforme a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

O fundo do mar é tratado como “área seca”, o que garante status especial a sua exploração perante direito internacio­nal. A forma da exploração será definida no futuro, mas os países concordara­m que haverá uma divisão do que for encontrado.

O Irã é o país que mais resiste em determinar o Cáspio como “mar”. Isso porque o trecho que caberia ao país nesse cenário é o mais profundo, caro para explorar, e pobre em recursos naturais. Já o Casaquistã­o é o contrário. O “canto” casaque do Cáspio tem alguns dos campos de petróleo e gás mais ricos.

O acordo foi uma vitória para Vladimir Putin. “É mais um passo rumo à integração regional da Eurásia, um ambicioso plano acalentado há duas décadas por Putin para fortalecer as parcerias regionais da Rússia e enfraquece­r seus adversário­s regionais, principalm­ente a Europa Ocidental e a Ucrânia”, disse ao Estado Bruno Maçães, ex-ministro português para a Europa autor de quatro livros sobre a Eurásia. O acordo abre caminho para uma série de projetos de oleodutos e gasodutos que há quase uma década esperam sair do papel.

Putin conseguiu espantar o fantasma de uma base militar americana no Casaquistã­o. Pela convenção, apenas os países que margeiam o Cáspio podem instalar bases militares na região. Desde 2006, os EUA tentam instalar uma base americana no país.

Para especialis­tas, a Rússia abriu mão de direitos para garantir sua segurança militar. “O acordo impede a Rússia de bloquear projetos que a desagradav­am, como o gasoduto que liga o Turcomenis­tão ao Azerbaijão e pode levar gás a Europa”, diz Maçães. “Em compensaçã­o, os russos não correm o risco de ter um aliado da Otan no Mar Cáspio, como ocorreu com a Ucrânia.”

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