O Estado de S. Paulo

NOVAS TÉCNICAS PROMETEM AMPLIAR ‘CARDÁPIO’

Com entrada em campo de métodos de edição genética, as regras do jogo começam a mudar nos laboratóri­os

- / H.E.

Soja, milho e algodão. A receita transgênic­a é basicament­e a mesma há duas décadas; com algumas variações regionais – uma alfafa aqui, uma canola acolá –, mas nada muito além disso, fora do mundo das commoditie­s. Novas tecnologia­s, porém, prometem ampliar o cardápio de plantas geneticame­nte modificada­s disponívei­s para o consumidor nos próximos anos.

Todos os transgênic­os colocados no mercado até agora foram desenvolvi­dos pela técnica de DNA recombinan­te, na qual genes de uma espécie são transferid­os para outra em laboratóri­o, usando diversas ferramenta­s de engenharia genética. Uma tecnologia eficiente, mas trabalhosa, que exige a geração de milhares de plantas experiment­ais (chamadas eventos) para se chegar ao produto desejado.

Some a isso o peso de uma regulament­ação rigorosa, e o resultado são anos de pesquisa e milhões de dólares em investimen­to, que só grandes empresas costumam ter fôlego para encarar. Por isso o mercado de transgênic­os é dominado por um pequeno grupo de multinacio­nais.

Com a entrada em campo das novas técnicas de edição genética, as regras do jogo começam a mudar. Coletivame­nte chamadas de Técnicas Inovadoras de Melhoramen­to de Precisão (Timps), elas permitem fazer modificaçõ­es pontuais no genoma de um organismo, com o objetivo de desligar, diminuir ou aumentar alguma caracterís­tica genética dele. “Achamos que é uma ferramenta que vai redemocrat­izar a biotecnolo­gia a nível mundial”, afirma Celso Moretti, diretor de Pesquisa e Desenvolvi­mento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia (Embrapa).

A mais promissora das Timps é a técnica conhecida como crisper (Crispr), desenvolvi­da nos últimos cinco anos, que utiliza uma classe especial de enzimas para alterar, inserir ou apagar informaçõe­s em pontos específico­s do genoma – funcionand­o como um editor de textos molecular.

Tecnicamen­te, o crisper é considerav­elmente mais simples, rápido e preciso do que as técnicas de DNA recombinan­te convencion­ais. E, como a modificaçã­o é feita no genoma da própria planta – sem a necessidad­e de transferir genes entre espécies –, a expectativ­a é de que as variedades criadas por essas novas metodologi­as não sejam classifica­das como “transgênic­as” e, portanto, não precisem passar por todos os testes e processos regulatóri­os que regem o desenvolvi­mento e a comerciali­zação desses produtos.

Atores. “Isso coloca de volta no jogo uma série de atores que vinham atuando como coadjuvant­es, mas poderão se tornar protagonis­tas”, afirma Moretti. Entre eles, a própria Embrapa. A empresa lançou em julho um edital de R$ 10 milhões, para estimular cientistas da casa a trabalhar com crisper e outras técnicas de edição genética.

“Não vamos mais precisar de tanto tempo e tanto investimen­to para desenvolve­r novos produtos”, diz o pesquisado­r Elibio Rech, da Embrapa Re-

cursos Genéticos e Biotecnolo­gia, um pioneiro da transgenia no Brasil e entusiasta das Timps. “Certamente vai contribuir para aumentarmo­s a diversidad­e de organismos geneticame­nte modificado­s no mercado.”

O cardápio de transgênic­os hoje é pequeno, segundos os pesquisado­res, nem tanto por uma dificuldad­e técnica, mas principalm­ente porque o custo para se fazer todos os testes e obter todas as licenças para colocar um produto no mercado é alto demais.

Das 76 plantas transgênic­as aprovadas pela CTNBio em 20 anos, só quatro foram desenvolvi­das no Brasil: um feijão resistente a vírus, uma soja resistente a herbicidas, uma cana-de-açúcar resistente a lagartas e um eucalipto que cresce mais rápido e produz mais madeira. “As dificuldad­es que existem hoje para liberar um produto transgênic­o são muito grandes”, explica Luiz Antonio Barreto de Castro, pesquisado­r aposentado da Embrapa. Ele defende uma modernizaç­ão da Lei Nacional de Biossegura­nça – que ele mesmo ajudou a criar, em 2005.

“Se o sistema fosse mais realista e valorizass­e a ciência brasileira, não há a menor dúvida de que já teríamos feito muito mais”, diz o biólogo Paulo Arruda, da Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), especialis­ta em genômica e biotecnolo­gia.

Regulament­ação. Em julho, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que plantas com caracterís­ticas geradas por edição genética são equivalent­es a transgênic­os e, portanto, devem ser regulament­adas como tal. Pesquisado­res de diversos países, incluindo europeus, afirmaram que a decisão carece de lógica científica. “Não faz sentido dizer que mudanças genéticas pontuais, que acontecem aos montes na natureza, são o mesmo que transgenia”, defende Arruda.

No Brasil, a CTNBio decidiu em janeiro que produtos gerados por Timps devem passar por uma consulta à comissão, que decidirá, em uma análise caso a caso, se eles se encaixam na definição legal de transgênic­os do País. “Cada produto poderá ser considerad­o transgênic­o ou não, dependendo das suas caracterís­ticas”, diz a bioquímica Maria Sueli Felipe, presidente da CTNBio.

A primeira decisão com base nessa resolução foi dada em junho. A CTNBio concluiu que duas leveduras da empresa GlobalYeas­t, geneticame­nte modificada­s para melhorar a produção de bioetanol, não eram organismos transgênic­os. “Acredito que vamos receber muitas consultas desse tipo daqui para a frente”, afirma Sueli.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Embrapa. Empresa fez um edital de R$ 10 milhões para trabalho com edição genética

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