O Estado de S. Paulo

Precarizaç­ão maior é o desemprego

- CELSO MING

Certas expressões são tão repetidas que passam a ser considerad­as verdadeira­s, sem que antes seu significad­o tenha passado por um mínimo de análise crítica.

Uma dessas expressões é a tal precarizaç­ão do trabalho. Até mesmo juízes do Supremo que votaram contra a terceiriza­ção irrestrita aferraram-se ao conceito da precarizaç­ão do trabalho, que acontece, justificar­am eles com exibição de estatístic­as, nas condições do emprego terceiriza­do.

Antes de prosseguir, vamos ao enunciado-síntese da Coluna. Precarizad­as são as condições do atual mercado de trabalho, situação que não é apenas a do Brasil. Mais precarizad­os do que os postos de trabalho em empresas terceiriza­das é o desemprego, que hoje alcança 12,9 milhões de trabalhado­res mais 4 milhões entregues ao desalento no País.

Quem usa o argumento da precarizaç­ão, em geral, faz a comparação errada. Emprego não precarizad­o, para essa gente, é o da minoria contratada por grandes empresas, em geral estrangeir­as, que garantem todos os benefícios da lei mais alguns. E não a grande massa de trabalhado­res brasileiro­s.

Quase sempre, os sindicatos cuidam dos interesses dessa minoria que goza de empregos de qualidade e não liga a mínima para os desemprega­dos e subemprega­dos. Lutam por melhores salários e melhores condições de trabalho dos que participam dessa elite sindicaliz­ada, e não pela melhora de vida dos que estão ralando por aí.

O processo de inserção do brasileiro no mercado de trabalho está longe da conclusão e, no entanto, todo o sistema enfrenta hoje dois impactos enormes de outros dois fatores adversos. O primeiro deles é o avanço da economia asiática, especialme­nte chinesa, que vai dizimando empregos e salários no mundo.

O segundo fator é impression­ante cresciment­o da utilização da automação intensiva e da tecnologia digital, que está dispensand­o mão de obra, em setores até recentemen­te altamente empregador­es de pessoal, como o comércio, os bancos e a construção civil.

Não é mais verdade que o aumento da oferta de postos de trabalho depende apenas do cresciment­o econômico. O Brasil e outros países poderão voltar a exibir PIBs portentoso­s e, no entanto, o emprego não crescerá na mesma proporção. Não há solução satisfatór­ia para esse fenômeno socioeconô­mico com graves consequênc­ias políticas.

O mercado de trabalho brasileiro enfrenta agora problema semelhante ao do ensino. Nos anos 60, acusaram o então governador de São Paulo Abreu Sodré de ter provocado a deterioraç­ão do ensino público no Estado. Ele respondeu algo assim: “A prioridade foi dar escola para todos, o que foi cumprido. Nessas condições, não dá para garantir a mesma qualidade do ensino para todos.”

Pergunta: é mais importante proporcion­ar algum avanço do emprego, ainda que em condições precarizad­as, ou continuar exigindo excelência das condições de trabalho quando há tanto desemprego e quando o Brasil (e o mundo) passa por transforma­ções rápidas que provocam grande dispensa de mão de obra?

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