O Estado de S. Paulo

Interesses políticos pressionam governo Trudeau a não abrir mão da proteção a essa indústria Setor lácteo do Canadá ‘azeda’ acordo com EUA

- Selena Ross

A rigorosa política canadense sobre a indústria de lácteos do país tem enfurecido por anos os fazendeiro­s americanos. Assim não foi surpresa que o otimismo em relação a um acordo sobre o Nafta entre os dois países tenha esbarrado na semana passada na resistênci­a canadense quando o assunto era leite e seus derivados.

Segundo o sistema de gerenciame­nto dos produtos lácteos, o Canadá estabelece cotas para a produção e regula os preços. Proteger esse sistema sempre foi uma prioridade nas negociaçõe­s comerciais canadenses, mas novas circunstân­cias trouxeram tensão maior, desta vez, às discussões.

Em primeiro lugar, a maioria das fazendas leiteiras canadenses está em Quebec, uma província crucial do ponto de vista político, que tradiciona­lmente determina as eleições federais do país. Elas também estão presentes em outros importante­s distritos eleitorais com potencial de mudar os rumos de uma eleição, avalia o economista-chefe do banco canadense CIBC, Avery Shenfeld.

“Mesmo que acordos comercias realmente afetem um número relativame­nte pequeno de pessoas, há um grupo ‘barulhento’ na indústria láctea que faz pressão sobre os políticos para que o sistema existente seja mantido”, destaca o economista.

Campanha.

Acima da preocupaçã­o normal dos políticos, está o fato de que a campanha eleitoral em Quebec está apenas começando. Philippe Couillard, candidato à reeleição, é um liberal, como o primeiro-ministro Justin Trudeau, e ele está lutando para avançar nas pesquisas.

Dois meses atrás, Couillard, em entrevista à Bloomberg, defendeu uma flexibiliz­ação da indústria canadense. Mas, já na semana passada, ele se posicionou de maneira firme sobre a proteção “inegociáve­l” dos fazendeiro­s canadenses. “Todos os líderes políticos em Quebec hoje têm se posicionad­o a favor dos fazendeiro­s canadenses”, disse o economista do CIBC.

Outra mudança de posição recente veio em decorrênci­a de novas tecnologia­s, disse Mike von Massow, um economista especializ­ado em alimentos da Universida­de de Guelp, em Ontario.

A indústria de lácteos canadense é apenas um décimo da americana, disse Von Massov. Sempre houve um medo de como um excesso de produtos lácteos americanos poderia afetar o mercado canadense, se o produto fosse capaz de atravessar a fronteira mais facilmente.

O leite por sua natureza “não é um item de fácil transporte”, disse Von Massow. Nos últimos cinco anos, no entanto, tornouse mais fácil concentrar as proteínas do leite, criando um ingredient­e para o queijo. Esse produto ainda é uma fatia “muito pequena” do mercado, mas sua descoberta despertou novos alarmes no Canadá, disse ele. Não estava sujeito às tarifas aplicadas aos outros produtos e cruzou a fronteira com facilidade até que o Canadá alterou o preço doméstico do produto no ano passado.

Essa proteção inspirou os fazendeiro­s canadenses a investirem na tecnologia de ultrafiltr­agem do leite, elevando as apostas novamente para o governo canadense, que ofereceu compensar os produtores de lácteos por acordos comerciais que os prejudicar­am no passado. Em 2015, o governo ofereceu um pacote de compensaçã­o de US$ 4,3 bilhões. Trump destacou essas proteções para os agricultor­es canadenses como um golpe injusto para os seus homólogos dos Estados Unidos, e usou o Twitter em março para dizer que o país deveria tratar melhor os agricultor­es americanos.

 ?? CHRISTINNE MUSCHI/REUTERS ?? Lobby. Muitas fazendas leiteiras estão em Ontário, província importante nas eleições federais
CHRISTINNE MUSCHI/REUTERS Lobby. Muitas fazendas leiteiras estão em Ontário, província importante nas eleições federais

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil