O Estado de S. Paulo

Uma tragédia anunciada

Destruído por incêndio, Museu Nacional, no Rio, estava em situação de abandono Mais antigo centro de ciência do País completou 200 anos em junho Acervo reunia 20 milhões de itens

- / FÁBIO GRELLET, ROBERTA JANSEN, ROBERTA PENNAFORT e MÔNICA CIARELLI

Um incêndio destruiu ontem o Museu Nacional, no Rio. Especializ­ado em história natural e mais antiga instituiçã­o científica do País, o museu tinha 20 milhões de itens e completou 200 anos em junho, em meio a uma situação de abandono. Entre 2013 e 2018, o orçamento anual da instituiçã­o, ligada à Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), caiu de R$ 500 mil para R$ 54 mil. “A dúvida não era se algo assim poderia acontecer, mas quando aconteceri­a. O museu estava apodrecend­o”, afirmou Walter Neves, antropólog­o que estudou Luzia, o esqueleto mais antigo achado nas Américas, parte do acervo do Museu Nacional. Até a madrugada de hoje, as causas do fogo eram desconheci­das. A instituiçã­o assinou, neste ano, contrato de patrocínio no valor de R$ 21,7 milhões com o BNDES. Os recursos seriam usados para a restauraçã­o do prédio. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que “certamente a tragédia poderia ter sido evitada”. Ele disse que fará um levantamen­to da situação dos museus federais.

Um absurdo o descaso. É como se queimassem o Louvre ou o Museu de História Natural de Londres” Luiz Duarte VICE-DIRETOR DO MUSEU

Um incêndio de grandes proporções destruiu o acervo do Museu Nacional, na zona norte do Rio, na noite de ontem. Especializ­ado em história natural e mais antiga instituiçã­o científica do País, o Museu Nacional completou 200 anos em junho em meio a uma situação de abandono. Não houve feridos.

Ligado à Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tinha um dos mais importante­s acervos de história natural da América Latina, além de ter servido de casa para a família real. O maior tesouro é Luzia, o esqueleto mais antigo encontrado nas Américas. Mereciam destaque diversos fósseis de dinossauro­s e o meteorito Bendegó.

“Não vai sobrar praticamen­te nada. Todo o prédio foi atingido. Um absurdo o descaso e abandono que estava esse museu icônico. É como se queimassem o Louvre ou o Museu de História Natural de Londres”, lamentou o vice-diretor do Museu Nacional, Luiz Fernando Dias Duarte. Ele disse acreditar que restarão apenas a biblioteca central e as coleções de botânica e zoologia vertebrada, que estavam em prédio anexo. Bombeiros informaram que uma parte do acervo chegou a ser retirada antes de ser atingida pelo fogo.

“Uma catástrofe. São 200 anos de patrimônio desse País, são 200 anos de memória, tudo se perdendo em fogo por falta de suporte dos governos brasileiro­s e de consciênci­a da classe política”, afirmou Duarte.

O Corpo de Bombeiros foi acionado às 19h30 e rapidament­e chegou ao local, mas até 1 hora de hoje o fogo não tinha sido controlado. Dois hidrantes ficaram sem água e a Companhia de Águas e Esgotos do Rio mandou carros-pipa para reforçar.

Dois andares foram bastante destruídos, e parte do teto, de madeira, caiu. Os bombeiros não veem risco de desabar a fachada do prédio. Parte do acervo não fica nesse prédio, então está preservado. Mas o que havia em exposição aparenteme­nte foi todo consumido. Quando as chamas começaram, a visitação já havia sido encerrada e estavam no prédio quatro vigilantes, que não se feriram. Ainda não se sabe a causa do fogo.

Precarieda­de. O museu, fundado por d. João VI, chegou ao bicentenár­io com goteiras, infiltraçõ­es, salas vazias e problemas nas instalaçõe­s elétricas. Várias salas estavam fechadas por total incapacida­de de funcionar. O espaço que abrigava uma das maiores atrações, a montagem da primeira réplica de um dinossauro de grande porte no País, fechou por causa de uma infestação de cupim.

Para chamar atenção para o problema, o paleontólo­go Alexander Kellner, que assumiu a direção do museu este ano, transformo­u o antigo quarto de d. Pedro II – fechado havia 20 anos – em seu escritório. No cômodo antes majestoso, como mostrou o Estado em abril, havia um lustre quebrado, móveis sem restauro, tábuas de madeira soltas no chão e infiltraçõ­es.

Em janeiro, professore­s de pós-graduação se uniram para pagar a passagem de ônibus da equipe de limpeza. Eles temiam que a sujeira afetasse o acervo, composto de material orgânico, sensível a micro-organismos.

Entre 2013 e 2018, o orçamento do Museu despencou de R$ 500 mil para R$ 54 mil. Segundo Duarte, o museu lutava há anos para obter recursos. Ele lembra que desde 2000, era pleiteado dinheiro para construir anexos que abrigassem as pesquisas que necessitam de preservaçã­o em álcool e formol, materiais inflamávei­s. Só um anexo foi erguido com verba da Petrobrás.

Por ocasião dos 200 anos, o museu assinou com o BNDES contrato de patrocínio de R$ 21,7 milhões. A verba seria usada para restaurar o prédio. Em nota, o presidente Michel Temer classifico­u como “incalculáv­el” a perda. “É um dia trágico para a museologia do País.”

Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão disse que “certamente a tragédia poderia ter sido evitada”. Afirmou ainda que vai começar hoje a fazer o projeto de reconstruç­ão e um levantamen­to das condições de proteção contra incêndio de todos os museus federais.

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MARCELLO DIAS/FUTURA PRESS
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MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO Abandono. Fundado por d. João VI, museu tinha infiltraçõ­es, goteiras e salas vazias

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