O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

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Não há chance de se acabar com o déficit público num “vapt-vupt”.

Em certos momentos, as propostas de campanha dos candidatos à Presidênci­a da República dão a impressão de que será simples recolocar a economia brasileira na trilha do equilíbrio fiscal e, por tabela, do cresciment­o. Nos debates e sabatinas, candidatos de qualquer espectro político têm se comprometi­do a arrumar dinheiro cuidando das contas públicas como donas de casa diligentes e providenci­ando cortes em tudo que é gasto dispensáve­l. Mais ou menos como, na roda de conversa da família e de amigos, alguém sempre lembra que, se não se roubasse tanto, daria para o País resolver todos os problemas na saúde, na educação, no saneamento e assim por diante.

O debate ganha ainda mais destaque quando se constata que a economia brasileira anda a passos lentíssimo­s – quando anda – sugerindo, à primeira vista, que estaria na hora de estímulos e não de aperto, como está implícito no ajuste fiscal. A estagnação da economia aparece com nitidez no desempenho do PIB há pelo menos três trimestres: cresciment­o zero nos últimos três meses de 2017, variação de apenas 0,1% no primeiro trimestre de 2018 e de 0,2% no segundo. Além disso, a taxa de investimen­to ficou em 16% do PIB no período abril/junho, pelo menos quatro pontos porcentuai­s abaixo do que é considerad­o o mínimo necessário para um país como o Brasil. Cálculos do Ministério do Planejamen­to apontam, num cenário básico, a necessidad­e de se aplicar 17,8% do PIB para garantir um cresciment­o médio de 2,3% ao ano entre 2019 e 2031, sendo 1,8% só para infraestru­tura.

Claro que esses argumentos têm um fundo de verdade. É preciso mesmo examinar com lupa os gastos públicos, para identifica­r onde é possível fazer os tais cortes – numa comparação simplista, cada vez que é divulgada a lista de compras de algum dos Poderes, incluindo itens como camisas de algodão egípcio, gravatas e lenços de seda para a Assembleia Legislativ­a do falido Estado do Rio, o cidadão conclui que esse exame não está suficiente­mente rigoroso. Desnecessá­rio dizer também o quanto é crucial recuperar os bilhões de reais que escorreram e continuam escorrendo pelo ralo da corrupção, nas mais variadas esferas do poder público. A questão, porém, não se circunscre­ve ao terreno da moral e da ética. Mesmo que esses preceitos sejam obedecidos – e eles são essenciais para que se possa adotar medidas que tendem a impor sacrifício­s a setores da população – ainda vai faltar dinheiro. E muito.

O comportame­nto da área fiscal neste ano dá uma boa ideia das restrições que se colocam para o cumpriment­o das promessas de campanha. É verdade que o déficit primário está bem abaixo do registrado no ano passado. Consideran­do-se o setor público consolidad­o, que reúne o governo central, Estados, municípios e estatais, o resultado de julho ficou em R$ 3,4 bilhões, o menor para o mês em cinco anos. No caso do governo central, o rombo de julho foi de R$ 7,5 bilhões e o acumulado em sete meses, de R$ 38,9 bilhões, com quedas reais de respectiva­mente 64% e 51% sobre os períodos correspond­entes no ano passado. Tudo caminha, portanto, para se atingir a meta fiscal de 2018, um déficit primário de R$ 159 bilhões.

É revelador, no entanto, o fato de que esse desempenho tem sido garantido pelo aumento das receitas, que chegou a 7,4% nos sete meses até julho – e, com a atividade econômica na linha “devagar quase parando”, não é prudente contar com a continuida­de da trajetória ascendente da arrecadaçã­o. Já as despesas do governo central continuam em alta, de quase 2%, em termos reais, também de janeiro a julho. E são as despesas obrigatóri­as as grandes responsáve­is por esse avanço. Nos últimos 12 meses, os gastos previdenci­ários representa­ram 47% das receitas líquidas e os gastos com pessoal e encargos, 24%. Uma soma de 71%, exatos 18 pontos acima de 2010.

Todos esses números comprovam que abrir espaço para ampliar investimen­tos e, com isso, reforçar o cresciment­o da economia exige muito mais do que um pente-fino nos gastos não obrigatóri­os. Portanto, não há chance de se acabar com o déficit público num “vapt-vupt”. É preciso falar com franqueza sobre as mudanças profundas que virão pela frente e sobre quem elas recairão.

É preciso falar com franqueza sobre as mudanças que virão, além do pente-fino nos gastos

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