O Estado de S. Paulo

Trocar investigaç­ão por delação gera sensação de impunidade

- Fabio Serapião / BRASÍLIA

Integrante­s da cúpula da Polícia Federal, os delegados Denisse Ribeiro e o Élzio Vicente da Silva afirmam, em livro, que o modo como os acordos vêm sendo usados pode criar uma sensação de impunidade. Em “Colaboraçã­o Premiada e Investigaç­ão: princípios, vulnerabil­idade e validação da prova obtida de fonte humana” (Editora Novo Século, 255 páginas), eles afirmam que o uso incorreto da colaboraçã­o gera um “subproduto indesejado e amargo, que é a sensação de impunidade e um sentimento de descrédito da população”.

Ribeiro é delegada-chefe do Serviço de Inquéritos Especiais (SINQ), responsáve­l pelas investigaç­ões de políticos na PF de Brasília, e Silva é o atual Diretor de Investigaç­ão e Combate ao Crime Organizado (Dicor) da corporação. Ao Estado, a delegada disse que qualquer informação trazida por um colaborado­r não pode ser integrada às investigaç­ões sem ser apurada. Abaixo os principais trechos da entrevista:

O STF já arquivou sete inquéritos com base no caso Odebrecht. Validação evitaria esses casos? Embora desconheça os casos concretos, o que pude acompanhar pelos meios de comunicaçã­o é que há uma inobservân­cia da essência do instituto da colaboraçã­o. O material fornecido pelo colaborado­r, em conjunto com seu relato, não podem ser considerad­os sem que se afira a integridad­e, a legitimida­de, relevância e pertinênci­a com fatos apurados. Não é possível corroborar o relato do colaborado­r por dados apresentad­os por ele.

Advogados e colaborado­res defendem o modelo do MPF.

Há um equívoco conceitual: transação penal, no Brasil, só existe para crimes de menor potencial ofensivo. A transação penal atende a outros interesses que não o da investigaç­ão. Ou seja: é como premiar um atleta antes da competição. Mais grave: transacion­ar em torno da obtenção de dados que atingem a esfera íntima de terceiros é abrir oportunida­des para a negociação da própria verdade.

A PF sugere o benefício a ser dado ao colaborado­r?

Mais do que sugerir, a polícia pode representa­r ao Juiz pela aplicação do benefício pela colaboraçã­o do investigad­o, na medida em que, ao fim da apuração policial, identifico­u o alcance de ao menos um dos objetivos descritos na lei. Isso é coerente com o modelo brasileiro.

No livro os senhores sugerem que o uso incorreto da colaboraçã­o pode resultar em sensação de impunidade. Por quê?

A principal vulnerabil­idade é desejar suprimir a necessária investigaç­ão policial. Primeiro se investiga, depois se acusa, abre-se a oportunida­de para o acusado se defender e, ao final, o juiz diz o Direito no caso concreto. O problema surge, a meu ver, quando, para atender a um desejo justificáv­el de toda a sociedade de combater a impunidade, passa-se a admitir conexão direta do fato para a punição, sem que o Estado percorra o necessário – e árduo, repito – caminho de esclarecim­ento do fato, com suas circunstân­cias.

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ARQUIVO PESSOAL Delegada. Denisse Ribeiro é chefe do SINQ, em Brasília

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