Trocar investigação por delação gera sensação de impunidade
Integrantes da cúpula da Polícia Federal, os delegados Denisse Ribeiro e o Élzio Vicente da Silva afirmam, em livro, que o modo como os acordos vêm sendo usados pode criar uma sensação de impunidade. Em “Colaboração Premiada e Investigação: princípios, vulnerabilidade e validação da prova obtida de fonte humana” (Editora Novo Século, 255 páginas), eles afirmam que o uso incorreto da colaboração gera um “subproduto indesejado e amargo, que é a sensação de impunidade e um sentimento de descrédito da população”.
Ribeiro é delegada-chefe do Serviço de Inquéritos Especiais (SINQ), responsável pelas investigações de políticos na PF de Brasília, e Silva é o atual Diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor) da corporação. Ao Estado, a delegada disse que qualquer informação trazida por um colaborador não pode ser integrada às investigações sem ser apurada. Abaixo os principais trechos da entrevista:
O STF já arquivou sete inquéritos com base no caso Odebrecht. Validação evitaria esses casos? Embora desconheça os casos concretos, o que pude acompanhar pelos meios de comunicação é que há uma inobservância da essência do instituto da colaboração. O material fornecido pelo colaborador, em conjunto com seu relato, não podem ser considerados sem que se afira a integridade, a legitimidade, relevância e pertinência com fatos apurados. Não é possível corroborar o relato do colaborador por dados apresentados por ele.
Advogados e colaboradores defendem o modelo do MPF.
Há um equívoco conceitual: transação penal, no Brasil, só existe para crimes de menor potencial ofensivo. A transação penal atende a outros interesses que não o da investigação. Ou seja: é como premiar um atleta antes da competição. Mais grave: transacionar em torno da obtenção de dados que atingem a esfera íntima de terceiros é abrir oportunidades para a negociação da própria verdade.
A PF sugere o benefício a ser dado ao colaborador?
Mais do que sugerir, a polícia pode representar ao Juiz pela aplicação do benefício pela colaboração do investigado, na medida em que, ao fim da apuração policial, identificou o alcance de ao menos um dos objetivos descritos na lei. Isso é coerente com o modelo brasileiro.
No livro os senhores sugerem que o uso incorreto da colaboração pode resultar em sensação de impunidade. Por quê?
A principal vulnerabilidade é desejar suprimir a necessária investigação policial. Primeiro se investiga, depois se acusa, abre-se a oportunidade para o acusado se defender e, ao final, o juiz diz o Direito no caso concreto. O problema surge, a meu ver, quando, para atender a um desejo justificável de toda a sociedade de combater a impunidade, passa-se a admitir conexão direta do fato para a punição, sem que o Estado percorra o necessário – e árduo, repito – caminho de esclarecimento do fato, com suas circunstâncias.