‘Tragédia anunciada’, afirma pesquisador
Dirigentes e cientistas reclamam de falta de recursos para preservar patrimônio
O incêndio no Museu Nacional revela a falta de cuidado do poder público com o acervo histórico e científico do País e foi classificado como um desastre anunciado por pesquisadores e dirigentes de instituições ouvidos pelo Estado ontem. “A dúvida não era se algo assim poderia acontecer, mas quando iria acontecer”, disse Walter Neves, antropólogo que estudou Luzia, mais antigo esqueleto já achado na América – item do acervo do local.
“O museu estava jogado apodrecendo, incluindo a parte elétrica”, criticou Neves, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), ainda abalado com a notícia. “É uma consequência direta do descaso do poder público.” Segundo relatos de pesquisadores e funcionários da instituição, os problemas de manutenção já se acumulam há vários anos.
Entre os dezenas de funcionários que acompanharam o incêndio, o clima era de desespero. “Minha vida toda estava aí dentro”, disse o bibliotecário Edson Vargas, de 61 anos, que trabalha há 43 anos na instituição.
Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ligado ao Ministério da Cultura, Kátia Bogéa disse que, se o projeto de restauração já tivesse saído do papel, isso não teria acontecido. “Ia ter todo um sistema de prevenção e combate a incêndio, diminuiria em muito a destruição”, afirmou.
“Não tem investimento nessas áreas”, reclamou. “É o acervo de memória do País inteiro, mas não tem recursos.” O Iphan, segundo ela, tem discutido com os grupamentos do Corpo de Bombeiros de cada Estado a aprovação de um protocolo para orientar a atuação nos prédios históricos e acervos. “A gente perdeu nossa história”, continuou a presidente. “Luzia morreu no incêndio.”
Segundo o zoólogo e paleontólogo Hussam Zaher, que foi aluno do museu nos anos 1980, houve um incêndio na ala de herpetologia que só não se espalhou para a instituição inteira porque era um ambiente fechado. “Foi uma tragédia anunciada”, lamentou ele, que também viu de perto o incêndio que destruiu quase toda a coleção de cobras do Instituto Butantã, em São Paulo. “É a ciência brasileira indo embora”, resumiu o físico e historiador da ciência Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência. “A possibilidade de acontecer desastres como esse aumenta a cada dia.”
Emergência. No Rio, outros museus com acervos importantes correm risco. O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) tem adotado providências para reformar ou restaurar prédios antigos que abrigam coleções históricas. Um exemplo é o Museu Nacional de Belas Artes, que recebeu impermeabilização em sua cobertura e torre de arrefecimento. O Museu da República teve igualmente obras emergenciais realizadas, sendo recuperada sua varanda e restaurada sua claraboia.
O Palácio Rio Negro, em Petrópolis, também passou por escoramento emergencial de sua varanda. Já o Museu Imperial, na mesma cidade da região serrana fluminense, passou por obras emergenciais no telhado de sua biblioteca.