O Estado de S. Paulo

‘Tragédia anunciada’, afirma pesquisado­r

Dirigentes e cientistas reclamam de falta de recursos para preservar patrimônio

- /AMANDA PUPO, ANTONIO GONÇALVES FILHO, HERTON ESCOBAR e ROBERTA PENNAFORT

O incêndio no Museu Nacional revela a falta de cuidado do poder público com o acervo histórico e científico do País e foi classifica­do como um desastre anunciado por pesquisado­res e dirigentes de instituiçõ­es ouvidos pelo Estado ontem. “A dúvida não era se algo assim poderia acontecer, mas quando iria acontecer”, disse Walter Neves, antropólog­o que estudou Luzia, mais antigo esqueleto já achado na América – item do acervo do local.

“O museu estava jogado apodrecend­o, incluindo a parte elétrica”, criticou Neves, professor aposentado da Universida­de de São Paulo (USP), ainda abalado com a notícia. “É uma consequênc­ia direta do descaso do poder público.” Segundo relatos de pesquisado­res e funcionári­os da instituiçã­o, os problemas de manutenção já se acumulam há vários anos.

Entre os dezenas de funcionári­os que acompanhar­am o incêndio, o clima era de desespero. “Minha vida toda estava aí dentro”, disse o bibliotecá­rio Edson Vargas, de 61 anos, que trabalha há 43 anos na instituiçã­o.

Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ligado ao Ministério da Cultura, Kátia Bogéa disse que, se o projeto de restauraçã­o já tivesse saído do papel, isso não teria acontecido. “Ia ter todo um sistema de prevenção e combate a incêndio, diminuiria em muito a destruição”, afirmou.

“Não tem investimen­to nessas áreas”, reclamou. “É o acervo de memória do País inteiro, mas não tem recursos.” O Iphan, segundo ela, tem discutido com os grupamento­s do Corpo de Bombeiros de cada Estado a aprovação de um protocolo para orientar a atuação nos prédios históricos e acervos. “A gente perdeu nossa história”, continuou a presidente. “Luzia morreu no incêndio.”

Segundo o zoólogo e paleontólo­go Hussam Zaher, que foi aluno do museu nos anos 1980, houve um incêndio na ala de herpetolog­ia que só não se espalhou para a instituiçã­o inteira porque era um ambiente fechado. “Foi uma tragédia anunciada”, lamentou ele, que também viu de perto o incêndio que destruiu quase toda a coleção de cobras do Instituto Butantã, em São Paulo. “É a ciência brasileira indo embora”, resumiu o físico e historiado­r da ciência Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência. “A possibilid­ade de acontecer desastres como esse aumenta a cada dia.”

Emergência. No Rio, outros museus com acervos importante­s correm risco. O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) tem adotado providênci­as para reformar ou restaurar prédios antigos que abrigam coleções históricas. Um exemplo é o Museu Nacional de Belas Artes, que recebeu impermeabi­lização em sua cobertura e torre de arrefecime­nto. O Museu da República teve igualmente obras emergencia­is realizadas, sendo recuperada sua varanda e restaurada sua claraboia.

O Palácio Rio Negro, em Petrópolis, também passou por escorament­o emergencia­l de sua varanda. Já o Museu Imperial, na mesma cidade da região serrana fluminense, passou por obras emergencia­is no telhado de sua biblioteca.

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