O Estado de S. Paulo

Agora tudo é fácil

- LUÍS EDUARDO ASSIS ECONOMISTA. FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

Em linhas gerais, os desfiles das ideias econômicas dos candidatos à Presidênci­a da República são toscos e ocos – mas, ainda assim, não surpreende­m. Há um certo protocolo a ser seguido pelos assessores de campanha dedicados à inglória missão de instruir seus patronos. As restrições são muitas e há um protocolo rigoroso a ser seguido, o que impõe uma coreografi­a elaborada.

A primeira regra é que é preciso pôr a culpa no governo que está saindo. Essa parte é a mais fácil hoje, já que nem sequer o candidato do MDB tem alento para defender os resultados da política econômica que coordenou. A segunda norma é mais sutil: é preciso agigantar os problemas do País, mas sem dar a entender que sua solução dependerá de o eleitor oferecer-se para ser imolado no altar dos sacrifício­s. A razão, aqui, é de uma clareza solar: não se pode pedir mais de uma população que enfrenta desemprego e estagnação econômica. Mas, como a culpa é dos outros, você, eleitor, não vai pagar esta fatura. Por fim, é preciso ser otimista, porque, afinal de contas, somos um país destinado a ser uma grande potência tropical, o que só não aconteceu até agora porque temos o estranho hábito de escolher governante­s medíocres e corruptos.

A crise fiscal, evidenteme­nte, é o grande tema em torno do qual gravitam querelas. Candidatos mais conservado­res, que se dizem liberais, preferem prescrever o ideário maximalist­a de quem acha que propostas econômicas podem ser encapsulad­as em ampolas lacradas. Privatizaç­ões em ritmo frenético, corte de subsídios, redução linear de despesas de custeio. Soa bem, porque atende ao princípio de terceiriza­r a penitência e expiar os males de forma indolor. Mas certamente vai se chocar com o desejo do eleitor brasileiro de poder contar com um Estado benfeitor, indolente e balofo. O Congresso, que terá baixa taxa de renovação, certamente vai barrar o desmanche do Leviatã, mas aí não será culpa do ministro da Fazenda – como se isso fizesse alguma diferença.

Uma segunda linha de abordagem é minimizar o tamanho da encrenca e apresentar a conta para quem senta na ponta da mesa. Só os ricos vão pagar (e você, eleitor, não é rico, é?). Basta taxar dividendos, dizimar aposentado­rias milionária­s, aumentar o imposto sobre heranças e regulament­ar o imposto sobre grandes fortunas. Como tempero, é sempre possível aumentar a progressiv­idade do Imposto de Renda, combater o desperdíci­o por meio de um “choque de gestão” e, claro, extirpar a corrupção. Este receituári­o tem a enorme vantagem de grudar nos ouvidos como um estribilho de um bolero cafona, mas o problema é que a conta não fecha. Tudo isso é muito para ser aprovado nos meandros da burocracia do Congresso, mas insuficien­te para equacionar uma dívida pública que cresce de forma descomunal.

Por fim, há também quem enfrente o problema fiscal simplesmen­te negando sua existência. O desequilíb­rio das contas públicas deve ser resolvido apenas com cresciment­o do emprego e da renda.

As propostas econômicas dos candidatos viajam da redundânci­a ao absurdo, com longa escala na obviedade

É como ir ao médico e ouvir que o remédio é se divertir mais. Trata-se de otimismo desvairado, do tipo de quem acha que o inferno é apenas uma sauna. Professora Dilma nos ensinou que fuga para a frente é apenas um delírio. Fingir que o problema não existe não o resolve. A conta chega – maior.

As propostas econômicas dos candidatos viajam da redundânci­a ao absurdo, com longa escala na obviedade. Ainda assim, vivemos um período profícuo. Debater o futuro do País é sempre bom. É da essência dos regimes democrátic­os o livre embate das ideias, o que inclui, por definição, aquelas que achamos erradas. O verdadeiro teste virá logo mais, quando a tese vencedora será exposta à chuva ácida das conveniênc­ias políticas.

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