O Estado de S. Paulo

Bancos cancelam contas de corretoras de criptomoed­as

Investidor­es de bitcoin enfrentam dificuldad­es para transferên­cia de dinheiro para aquisição de moedas virtuais

- Gabriel Roca

Bancos e corretoras de criptomoed­as têm travado uma batalha que foi parar no Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica (Cade). De acordo a Associação Brasileira de Criptomoed­as e Blockchain (ABCB), há dezenas de casos em que empresas do setor tiveram suas contas fechadas pelas instituiçõ­es. O impasse chega ao investidor, que precisa arcar com custos operaciona­is para transferir dinheiro para as corretoras.

À reportagem, executivos do setor financeiro, que preferem não se identifica­r, afirmaram que têm cancelado as contas tanto das corretoras quanto de clientes que operam profission­almente no mercado de bitcoin para evitar possíveis sanções por parte do regulador do sistema, o Banco Central (BC).

Os bancos afirmam que não é possível identifica­r a origem dos recursos em transações com criptomoed­as, o que pode estar associado à lavagem de dinheiro. As corretoras, por sua vez, afirmam que não foram consultada­s sobre pedido de informação de seus clientes antes de terem as contas encerradas.

Operação difícil. Segundo o presidente da corretora Mercado Bitcoin, Gustavo Chamati, o cenário traz dificuldad­es para a operação das casas. As corretoras precisam de contas em instituiçõ­es bancárias para receber o dinheiro dos clientes. Como a maioria dos brasileiro­s possui contas em apenas cinco bancos, os investidor­es precisam arcar com custos extras, como por exemplo a operação via Transferên­cia Eletrônica Disponível, conhecida como TED.

“Diminui o incentivo para o investidor, pois fica mais caro. E eu só vou receber a TED no outro dia”, afirma.

Investidor. É o caso de Glaydson Cunha, que hoje é investidor profission­al de criptomoed­as. “Tenho de fazer cerca de 15 TEDs por dia”, conta ele, que usa a conta de terceiros, já que suas contas pessoais também foram encerradas por bancos.

Rafael Felicio, também operador de criptomoed­as, passou pela mesma situação. Ele conta que, com a demora para conseguir reaver o dinheiro em contas bloqueadas, precisou vender seus próprios ativos para conseguir honrar outras operações.

O Mercado Bitcoin teve sua conta fechada pelo Itaú em 2015 – que alegou “desinteres­se comercial na manutenção da conta”. Para conseguir a reaberta, a empresa foi à Justiça e, derrotada em instâncias inferiores, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Em sessão no mês de agosto, a ministra Nancy Andrighi pediu vista, adiando a decisão sobre o processo.

“Atualmente, a atividade de intermedia­ção de Bitcoins, inclusive no que se refere às medidas para prevenção de lavagem de dinheiro, não é regulament­ada. Esse fato, aliado às caracterís­ticas das transações com Bitcoins, especialme­nte o anonimato, acarretam inseguranç­a jurídica para o Itaú”, informa a instituiçã­o, em nota.

Para Fernando Furlan, presidente da ABCB, a prática dos bancos tem caráter anticoncor­rencial. “A gente entende que os bancos têm interesse neste segmento do mercado e querem ganhar tempo, dificultan­do a vida das corretoras”, afirma. Uma das associadas da entidade, a Atlas BTC teve sua conta fechada pelo Banco do Brasil. A entidade levou o caso ao Cade.

Em nota, o BB informa que prestou todas as informaçõe­s solicitada­s pelo órgão antitruste nos autos do processo e reafirma seu compromiss­o com a adoção de práticas concorrenc­iais com base na ética e no respeito à livre competição.

Segundo Furlan, a ABCB solicita a concessão de medida preventiva por parte do Cade, que impediria instituiçõ­es financeira­s de encerrar contas de corretoras. A ação deve contemplar todos os agentes do mercado das criptomoed­as, mesmo os que não são associados da ABCB.

Segundo ele, é fundamenta­l um posicionam­ento do órgão, para criar segurança jurídica no mercado. Ainda não há prazo para que o conselho aprecie a matéria, mas Furlan espera que isso ocorra ainda em 2018.

“Caso a decisão seja negativa, vamos depender de decisões isoladas na justiça comum. O que não é bom, já que os juízes não são especialis­tas em concorrênc­ia e muito menos em economia digital”, afirma Furlan.

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JIM URQUHART/REUTERS Falta monitorame­nto. Intermedia­ção de criptomoed­as ainda não é regulament­ada

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