O Estado de S. Paulo

Voos longos e os riscos de trombose

- Thiago Lasco

Eu me considerav­a um viajante muito experiente. Já pechinchei badulaques no Camboja e passeios de barco no Vietnã. Não caio na lábia de taxistas gatunos na Argentina. Aprendi a levar na mala apenas o que vou usar, não monto voos com conexões apertadas e sei farejar um restaurant­e pega-turista a quilômetro­s de distância. Ainda assim, vacilei – e acabei com o diagnóstic­o de trombose. Resultado: férias interrompi­das e prejuízo com cancelamen­tos.

O inesperado aconteceu em um voo entre a Europa e o Brasil. Com o cansaço acumulado de vários dias batendo perna em Budapeste e uma conexão de três horas em Paris, conclui que o melhor seria sentar na janela, jantar e engrenar um sono reparador. As gotinhas que eu reservava para essas ocasiões já tinham me feito chegar mais descansado a muitos destinos na minha carreira de apaixonado por viagens. Dessa vez, deu tão “certo” que me desconecte­i até servirem o café da manhã, a menos de uma hora para o pouso em Guarulhos.

Senti minhas pernas mais pesadas, mas não dei importânci­a – afinal, voo longo em classe econômica, sabemos como é. Nos dias seguintes, porém, fui notando uma dorzinha inconvenie­nte que não cedia.

No quarto dia, eu estava andando de um jeito engraçado, e resolvi ir ao pronto-socorro “só dar uma olhada”. Achei que iria tomar algum relaxante muscular potente, voltar logo para casa e terminar de arrumar as malas para a viagem seguinte, dias depois. Fiz cara de interrogaç­ão quando me pediram um ultrassom das pernas – e de espanto quando o médico disse que minhas férias terminavam ali. Para dar lugar a três dias de internação, 15 de licença médica e 180 de tratamento. Para você não vacilar como eu, separei algumas informaçõe­s sobre a doença, q também é conhecida como síndrome da classe econômica.

O que é?

Conversand­o com o médico que me atendeu e está me acompanhan­do, o cirurgião vascular Reinaldo Donatelli, aprendi que a trombose ocorre quando o nosso sangue forma coágulos (chamados de trombos) dentro dos vasos (podem ser veias ou artérias), dificultan­do a circulação.

Ao contrário do que se pensa, ela não ocorre só em pessoas mais velhas. “A arterial geralmente ocorre em pacientes idosos que possuam doenças como arterioscl­erose e arritmias cardíacas. Já a venosa é bem mais comum e não tem necessaria­mente relação com doenças preexisten­tes”, explicou. Na prática, a idade só passa a ser um fator de risco a partir dos 60 anos – e isso apenas em pessoas que passam longos períodos imóveis em uma cama.

Como evitar.

E o que você, que nunca tinha parado para pensar a respeito de trombose, pode fazer para evitá-la? Prevenir-se – principalm­ente em sua próxima viagem.

“Em deslocamen­tos a partir de seis horas de duração, principalm­ente de avião, procure se levantar e andar pelo corredor”, recomenda o médico. "Outra dica é movimentar os pés, como se estivesse tocando piano com os dedos ou acelerando um carro, a cada duas horas". Ou seja, tudo aquilo que deixei de fazer.

Esse raciocínio, de evitar passar horas a fio sem mexer as pernas, também se aplica a outras situações do cotidiano, principalm­ente para quem trabalha sentado diante de um computador. Fazer intervalos para se movimentar – e, de modo geral, evitar o sedentaris­mo – é sempre uma boa ideia para afastar o risco de trombose.

Fatores de risco.

Certos pacientes podem ter propensão a desenvolve­r a doença, sobretudo se pais ou irmãos já tiveram trombose ou embolia (condição bem mais grave, em que um trombo se desprende da perna e sobe pela corrente sanguínea para o pulmão, podendo levar à morte). “Nesses casos, um hematologi­sta poderá solicitar exames genéticos para checar se há de fato uma predisposi­ção”, diz Donatelli. Outros fatores de risco são o uso de anticoncep­cionais que contenham estrógeno e de drogas injetáveis, além do tabagismo e do alcoolismo.

Sintomas.

Os sintomas variam conforme a sua extensão e localizaçã­o no corpo. Nas pernas, é comum haver dor, inchaço e/ou um aspecto mais arroxeado. Como nem sempre esses sinais são evidentes, o médico pode pedir exames como o ultrassom doppler (que serviu para o meu caso, em que a trombose foi nas panturrilh­as), tomografia computador­izada, ressonânci­a magnética e até angiografi­a (tipo de cateterism­o).

Tratamento.

Se mesmo com todas as dicas você desenvolve­u a trombose, o tratamento vai agir no sentido de dissolver os trombos formados, evitando que eles cresçam, se desprendam e cheguem aos pulmões. "Se a trombose for extensa e não receber o tratamento adequado, além de causar embolia, que pode ser fatal, ela pode deixar sequelas graves no membro afetado", alerta o cirurgião.

Em um primeiro momento, os pacientes costumam ser internados por alguns dias. Com a medicação injetável adequada e repouso hospitalar, a melhora é rápida. A partir daí, o tratamento prossegue em casa, com consultas periódicas. No meu caso, o tratamento inclui o uso de uma medicação anticoagul­ante por três meses e de meias de compressão por seis meses.

As meias de compressão, aliás, são um reforço útil para prevenir a trombose em viagens. “Mas apenas as de suave compressão podem ser usadas sem receita médica. As de média e alta compressão requerem a avaliação de um especialis­ta, pois há pacientes com contraindi­cação”, explica Donatelli. O anticoagul­ante, também indicado em alguns casos como medicação preventiva antes de viagens, é outro recurso que só deve ser prescrito por um especialis­ta. “Ele tem riscos, já que é uma droga que inibe a coagulação natural do organismo. Seu mau uso pode acarretar em hemorragia."

Donatelli explica ainda que a trombose pode voltar a acontecer se os fatores de risco se repetirem. Isso vale tanto para aquela desencadea­da pelo uso de pílulas ou medicament­os, como a causada por imobilizaç­ão (em viagens longas ou em um paciente idoso que teve uma fratura, por exemplo). “Em um segundo evento (de trombose) pode ser necessário o uso contínuo de anticoagul­ante”, alerta.

Quem cuida?

O especialis­ta que trata da trombose é o cirurgião vascular, ou angiologis­ta. Em caso de embolia pulmonar, entra em cena o pneumologi­sta. O hematologi­sta ajuda na investigaç­ão da causa da trombose e também no acompanham­ento do tratamento.

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MARCIO FERNANDES/ESTADÃO Aperto. Levantar e caminhar durante o voo é fundamenta­l

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