O Estado de S. Paulo

Crimes políticos: quando as redes erram

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Aquantidad­e de boatos circulando nas redes sociais a respeito do atentado contra o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente pelo PSL, foi aumentando hora a hora, ontem. Este encontro entre crimes de alta relevância e o ímpeto investigad­or das redes é um fenômeno recente e também delicado. Às vezes, bem delicado.

Em 15 de abril de 2013, uma explosão na linha de chegada da Maratona de Boston virou imediatame­nte o tema primordial das redes sociais em todo o mundo. Nestes momentos, cria-se a ilusão de que nenhum instrument­o é mais poderoso em investigaç­ões do que uma caixa de buscas e inúmeros detetives amadores se lançam à rede em busca de resolver o caso. Em Boston, algo assim ocorreu.

Um mês antes, havia desapareci­do na cidade um estudante chamado Sunil Tripathi. A lista de desapareci­dos é pública, e alguém teve a ideia de vasculhar pelos rostos destas pessoas na multidão que assistia à maratona. O raciocínio: se alguém sumiu, talvez estivesse planejando um atentado. A investigaç­ão pública movida pela multidão – crowdsourc­ed, nos termos da internet – foi um fiasco. Por dias, após alguém jurar que um dos rostos nas imagens da maratona era o de Tripathi, a vida do rapaz foi revirada, seus pais inundados de telefonema­s, enquanto aflitos buscavam saber o que realmente acontecera com o filho. Ele, coitado, não tinha nada com o crime. Havia caído num rio e se afogado dias antes das explosões.

A ilusão de que buscas e recursos digitais, sozinhos, substituem investigaç­ões reais é da natureza desta nossa era. Ontem, um homônimo de Adelio Bispo de Oliveira foi confundido com o verdadeiro criminoso. Típica, típica história da internet.

Um dos pecados essenciais dos investigad­ores online, além do amadorismo e falta de experiênci­a, é que já se lançam dispostos a provar teses. A esquerda tem uma intenção e, a direita, outra. Um vídeo no qual Bolsonaro aparecia caminhando pelos corredores do que parece um hospital serviu de mote para que muita gente gritasse fraude. Ele caminha, de fato, está com a mesma roupa. Mas visitava outra casa de saúde, naquele mesmo dia, horas antes.

Poucas horas após a deputada democrata Gabrielle Giffords ser atingida por uma bala na cabeça, enquanto discursava no estacionam­ento de um supermerca­do, no Arizona, o nome do homem que tentou matá-la foi divulgado. Era Jared Lee Loughner, um rapaz de 22 anos com um ativo canal do YouTube.

Loughner era do tipo que seguia inúmeras teorias conspirató­rias. O ataque de 11 de Setembro foi obra do governo americano, as viagens dos ônibus espaciais eram forjadas, e um tipo de governança mundial que se esconde da população toma mais decisões que desconfiam­os todos nós. Tinha, também, uma obsessão por armas. E obsessão por armas, nos EUA como aqui, é código para extrema-direita. Com um perfil assim, as redes caíram dentro acusando o Tea Party republican­o de responsabi­lidade pelo crime. Se não por ter ordenado, por ter inspirado.

Ignorou, porém, o que estava nas entrelinha­s. O homem que tentou matar Gabrielle Giffords sofria de esquizofre­nia paranoide. Seu pecado não foi político, embora alguns discursos políticos extremados tivessem alimentado seus delírios. Seu pecado era uma doença mental que, em alguns casos, pode ser perigosa.

A internet brasileira se entregou e tentou decifrar politicame­nte o homem que esfaqueou Bolsonaro. Aparenteme­nte ligado à esquerda, uma passada de olhos por seu Facebook revela um discurso no qual as peças mal se encaixam de tão incoerente­s. Seu crime talvez não seja político.

É delicado o encontro entre crimes de alta relevância e o ímpeto investigad­or das redes

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