Crimes políticos: quando as redes erram
Aquantidade de boatos circulando nas redes sociais a respeito do atentado contra o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente pelo PSL, foi aumentando hora a hora, ontem. Este encontro entre crimes de alta relevância e o ímpeto investigador das redes é um fenômeno recente e também delicado. Às vezes, bem delicado.
Em 15 de abril de 2013, uma explosão na linha de chegada da Maratona de Boston virou imediatamente o tema primordial das redes sociais em todo o mundo. Nestes momentos, cria-se a ilusão de que nenhum instrumento é mais poderoso em investigações do que uma caixa de buscas e inúmeros detetives amadores se lançam à rede em busca de resolver o caso. Em Boston, algo assim ocorreu.
Um mês antes, havia desaparecido na cidade um estudante chamado Sunil Tripathi. A lista de desaparecidos é pública, e alguém teve a ideia de vasculhar pelos rostos destas pessoas na multidão que assistia à maratona. O raciocínio: se alguém sumiu, talvez estivesse planejando um atentado. A investigação pública movida pela multidão – crowdsourced, nos termos da internet – foi um fiasco. Por dias, após alguém jurar que um dos rostos nas imagens da maratona era o de Tripathi, a vida do rapaz foi revirada, seus pais inundados de telefonemas, enquanto aflitos buscavam saber o que realmente acontecera com o filho. Ele, coitado, não tinha nada com o crime. Havia caído num rio e se afogado dias antes das explosões.
A ilusão de que buscas e recursos digitais, sozinhos, substituem investigações reais é da natureza desta nossa era. Ontem, um homônimo de Adelio Bispo de Oliveira foi confundido com o verdadeiro criminoso. Típica, típica história da internet.
Um dos pecados essenciais dos investigadores online, além do amadorismo e falta de experiência, é que já se lançam dispostos a provar teses. A esquerda tem uma intenção e, a direita, outra. Um vídeo no qual Bolsonaro aparecia caminhando pelos corredores do que parece um hospital serviu de mote para que muita gente gritasse fraude. Ele caminha, de fato, está com a mesma roupa. Mas visitava outra casa de saúde, naquele mesmo dia, horas antes.
Poucas horas após a deputada democrata Gabrielle Giffords ser atingida por uma bala na cabeça, enquanto discursava no estacionamento de um supermercado, no Arizona, o nome do homem que tentou matá-la foi divulgado. Era Jared Lee Loughner, um rapaz de 22 anos com um ativo canal do YouTube.
Loughner era do tipo que seguia inúmeras teorias conspiratórias. O ataque de 11 de Setembro foi obra do governo americano, as viagens dos ônibus espaciais eram forjadas, e um tipo de governança mundial que se esconde da população toma mais decisões que desconfiamos todos nós. Tinha, também, uma obsessão por armas. E obsessão por armas, nos EUA como aqui, é código para extrema-direita. Com um perfil assim, as redes caíram dentro acusando o Tea Party republicano de responsabilidade pelo crime. Se não por ter ordenado, por ter inspirado.
Ignorou, porém, o que estava nas entrelinhas. O homem que tentou matar Gabrielle Giffords sofria de esquizofrenia paranoide. Seu pecado não foi político, embora alguns discursos políticos extremados tivessem alimentado seus delírios. Seu pecado era uma doença mental que, em alguns casos, pode ser perigosa.
A internet brasileira se entregou e tentou decifrar politicamente o homem que esfaqueou Bolsonaro. Aparentemente ligado à esquerda, uma passada de olhos por seu Facebook revela um discurso no qual as peças mal se encaixam de tão incoerentes. Seu crime talvez não seja político.
É delicado o encontro entre crimes de alta relevância e o ímpeto investigador das redes