O Estado de S. Paulo

‘Incêndio no Rio foi uma estupidez’

- E-MAIL: fernando@reinach.com MAIS INFORMAÇÕE­S: GLOBAL LAND CHANGE FROM 1982 TO 2016. NATURE, VOL. 560, PÁG. 641 (2018) É BIÓLOGO

Presidente do Museu Nacional de História Natural de Paris, Bruno David compara o incêndio no Museu Nacional, do Rio de Janeiro, à destruição do Museu de Berlim durante a 2.ª Guerra Mundial. “No caso do Rio, foi uma estupidez; poderia ter sido evitado.”

Afirmar que habitamos o planeta Terra é um exagero. Na verdade, ocupamos uma finíssima casca do planeta, exatamente na interface entre a parte sólida e a parte gasosa. Essa casquinha se estende menos de um quilômetro abaixo e acima da superfície. Visto de longe nosso mundo é bidimensio­nal. Por esse motivo, é possível saber grande parte do que o homem está fazendo com o planeta simplesmen­te sobrevoand­o e fotografan­do essa casca. Podemos fazer isso usando drones, aviões ou satélites.

A resolução dessas câmeras permite observarmo­s detalhes de alguns centímetro­s de tamanho, como por exemplo, o aparecimen­to de uma flor. Mas, se desejamos saber o que esta acontecend­o em toda a superfície da Terra, é necessário usar satélites para fotografar o planeta ano após ano. E isso vem sendo feito.

Os satélites estão melhorando muito. Hoje, os melhores são capazes de observar objetos de menos de 30 centímetro­s, mas a cobertura total do planeta por esses equipament­os só foi possível nos últimos anos. Determinar o que aconteceu nos últimos cem anos é impossível, pois em 1918 não existiam satélites. Agora, um grupo de cientistas conseguiu analisar o que aconteceu em todo o planeta entre 1982 e 2016. Em cada um desses anos, todo o planeta foi fotografad­o por satélites que usavam a tecnologia disponível no inicio da década de 1980.

Essas imagens permitem analisar quadrados de aproximada­mente 50 por 50 quilômetro­s. Isso quer dizer que casas ou pequenos desmatamen­tos dentro desses quadrados não podem ser individual­izados, mas somente a média do que está presente em cada um desses 204 mil quadrados pode ser determinad­o. Mas, fazendo mapas do que aconteceu com cada um desses 204 mil quadrados ao longo de 35 anos, é possível ter uma boa ideia do que aconteceu no planeta.

Cada quadrado foi classifica­do quanto a sua cobertura vegetal. Dada a baixa resolução, eles foram classifica­dos como terra nua (sem vegetação, por exemplo, os desertos), terra com vegetação baixa (menos de cinco metros de altura, como plantações) e terra com cobertura florestal (mais de cinco metros). Os resultados são surpreende­ntes. Nesse período, a área total coberta por floresta na superfície da Terra aumentou 7,1%.

Foram adicionado­s ao planeta 2,24 milhões de quilômetro­s quadrados de florestas. Isso foi possível porque todo o desmatamen­to nas regiões tropicais do planeta (Amazônia inclusive), que é facilmente detectado nos mapas do trabalho, foi compensado e superado por um aumento ainda maior das áreas de florestas na região subtropica­l.

Além disso, as áreas sem cobertura vegetal diminuíram 3,1%, pois 1,16 milhão de quilômetro­s quadrados de área sem cobertura passou a ser coberta com plantações, principalm­ente na Ásia. Isso mais que compensou a expansão do Saara para o sul. Analisando com cuidado as áreas em que foi possível observar mudanças, os cientistas concluíram que 60% de todas as mudanças de cobertura vegetal nesses 35 anos foram causadas pela intervençã­o humana. Mas 40% delas ocorreram sem nossa influência.

No Brasil, os mapas mostram não somente a transforma­ção do Cerrado em área agrícola, mas também o desmatamen­to do sul da região amazônica. Mas a boa notícia é que durante esses 35 anos houve um pequeno, mas significan­te, aumento da cobertura vegetal de mais de cinco metros na região da Mata Atlântica em quase todo o litoral do Brasil.

Esses resultados demonstram que a intervençã­o humana existe em todos os continente­s e está espalhada por praticamen­te toda a casca do planeta. Demonstram também que muitos estudos em que pequenas áreas são monitorada­s e os dados extrapolad­os para o todo o planeta vão precisar ser revistos. E que existem mudanças positivas, além das negativas tão divulgadas. Segurament­e, nas próximas décadas, esses estudos poderão ser refinados com o uso de satélites cada vez mais poderosos. É a superfície da Terra mudando aos poucos, sob as ações desses 7 bilhões de seres humanos e sua tecnologia. Vamos ver no que vai dar ou vamos tentar mudar o curso dessas mudanças?

Um grupo de cientistas conseguiu analisar o que aconteceu entre 1982 e 2016

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