O Estado de S. Paulo

O teto de gastos virou o bode expiatório de tudo de ruim que acontece na gestão do serviço público.

- Adriana Fernandes

Oincêndio que destruiu o Museu Nacional se transformo­u na pá de cal para o enterro da Emenda Constituci­onal 95, que criou o teto de gastos para as contas da União – instrument­o de política federal que atrela o aumento das despesas à correção da inflação e que até agora foi pouco compreendi­do pela população em geral.

Independen­temente das inúmeras razões que levaram à tragédia do mais antigo museu histórico do Rio de Janeiro (já muito apontadas na última semana pela imprensa), o teto virou o bode expiatório de tudo de ruim que acontece na gestão do serviço público.

Menos de dois anos depois da sua criação, o teto é hoje o símbolo máximo das mazelas nacionais. Virou a causa e não a solução para o rombo das finanças públicas como “venderam” ao País os seus idealizado­res em 2016.

Caiu no gosto popular atacar o teto, e esse argumento vem sendo muito bem conduzido na campanha pela maioria dos candidatos. Não dá voto, não sensibiliz­a o eleitor, mas ajuda na rasa retórica eleitoral.

Se o destino do teto de gasto já está selado desde já (e ele precisa, sim, de substituiç­ão ou revisão porque não vai se sustentar no curto prazo, nem mesmo com uma reforma fiscal aprovada), o problema mais urgente depois das eleições que se avizinha será a falência dos Estados.

Num retrato repetido do que aconteceu em 2015, os governador­es vão bater nos palácios de Brasília pedir ajuda em torno de um pacto nacional de socorro aos Estados falidos em prol da retomada firme do cresciment­o que ainda não chegou.

O quadro fiscal deles, na maioria dos casos, é muito pior do que o da União. Situação que vai se agravar com a entrada em vigor do reajuste dos salários do Judiciário, encabeçado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com efeito cascata ainda não mensurado efetivamen­te.

Propostas de socorro já estão sendo costuradas antes mesmo do resultado final das eleições. Fazem parte dos acordos políticos. Candidatos a governador­es vendem como certa essa ajuda.

Os Estados mais endividado­s com a União querem perdão. E aqueles que não têm dívida buscam injeção de recursos. Um caminho já consolidad­o é uma nova disputa judicial em torno de recursos da Lei Kandir, que desonera exportaçõe­s de cobrança de ICMS, o principal tributo estadual. Os Estados reclamam bilhões que seriam devidos pela União. Essa disputa cresce no Congresso também.

Assim como faliu o teto de gastos, o regime de recuperaçã­o fiscal dos Estados também vai pelo mesmo caminho. Os governos estaduais entraram em crise, e a União levantou um programa de socorro fiscal para eles, atrelado a um pacote de medidas de ajuste para sanear suas contas.

Não colou.

Só o Rio de Janeiro entrou em recuperaçã­o. Deixou de pagar a dívida, mas a crise é tão grande que não está conseguind­o cumprir o plano à risca. Pode ser excluído.

Outros Estados não quiseram aderir. Ficaram de fora devido à dureza das medidas a serem adotadas pelos governador­es para serem aceitos no programa. Ficaram na esperança de um afrouxamen­to do modelo. Ele não chegou. A bola de neve aumentou. A esperança agora é um “Refis” dessas dívidas no próximo governo que se instala no ano que vem.

Um problema adicional será o cofre vazio. A Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) exige que aos governador­es deixem dinheiro no caixa suficiente para pagar as despesas contraídas. O descumprim­ento dessa regra é crime.

Dominados por indicações políticas, os Tribunais de Contas dos Estados sempre fizeram vista grossa as irregulari­dades. Com tantas denúncias de corrupção reveladas nesses tribunais desde 2014, pode ficar mais difícil. A corrida por novos repasses de dinheiro aos Estados começa já no dia seguinte à eleição. Isso é certo.

O teto de gastos virou o bode expiatório de tudo de ruim que ocorre na gestão pública

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