O Estado de S. Paulo

Cientistas concluíram que 60% das mudanças de cobertura vegetal de 1982 a 2016 foram causadas por atividade humana.

Biólogo diz que perdas causadas pelo incêndio do Museu Nacional são irreparáve­is; não investir em segurança é erro grave

- Fernando Reinach

Como o Rio de Janeiro, Paris tem um Museu Nacional, e ele também é dedicado à história natural. A dimensão das duas instituiçõ­es diferia em número de itens – 70 mil no caso francês, 20 mil no brasileiro –, mas de acordo com o próprio presidente do Museu Nacional de História Natural de Paris, Bruno David, ambos pertenciam ao mesmo clube dos grandes museus do mundo. A diferença, hoje, é que o brasileiro praticamen­te não existe mais. Biólogo pesquisado­r, amante das ciências, David diz sentir a perda do acervo carioca como um brasileiro. A seguir, a síntese da entrevista concedida ao Estado.

O senhor disse considerar o valor do Museu Nacional de Rio “infinito” e “inestimáve­l”. Qual foi sua reação ao tomar conhecimen­to do incêndio?

Soube pela imprensa que o museu havia incendiado e reagi com estupefaçã­o.

Na Unesco, Ieng Srong, chefe da Seção de Patrimônio Mobiliário da organizaçã­o, disse considerar a perda a pior desde os estragos produzidos pela guerra da Síria à cidade histórica de Palmira. Qual sua avaliação?

Faço a mesma análise. Mas para mim a destruição do Museu Nacional me evoca a destruição de Berlim e do Museu de Berlim durante a 2.ª Guerra Mundial. Em Berlim, as circunstân­cias foram radicalmen­te diferentes, mas em termos de perda podemos comparar. No caso do Rio, foi uma estupidez. É isso que me deixa indignado, porque é algo que poderia ter sido evitado.

O senhor considera a perda do crânio de Luzia como um exemplo maior do irreparáve­l no incêndio do Museu do Rio?

Sim, porque esse era o mais antigo homo sapiens encontrado na América do Sul. São peças emblemátic­as da história de um território, que contam o que aconteceu com a espécie, que contam a chegada do Homo sapiens na América do Sul. Esse era o traço da colonizaçã­o do território pelo homem, um traço inestimáve­l que simplesmen­te desaparece­u.

A destruição de um museu toca toda a comunidade, porque a perda de memória cria um impacto social, certo? É isso que explica a revolta dos brasileiro­s nesse momento?

É absolutame­nte isso. Eu estou muito revoltado pelos brasileiro­s, porque sei o tamanho do impacto cultural. É uma parte de sua memória que foi apagada. É como se sua casa pegasse fogo, e a história de sua família, em fotos, fosse perdida. É um pouco isso, mas na escala de um país. O prédio pode ser reconstruí­do, mas seu conteúdo não será reconstruí­do como era.

O senhor mencionou a questão do investimen­to, ou da falta de investimen­to no museu, como origem da tragédia.

Eu não sou brasileiro, e não conheço as circunstân­cias exatas. Mas busquei informaçõe­s e sei que os cortes orçamentár­ios causaram uma tensão no financiame­nto do museu, que estava sob alta pressão. Mesmo os meios elementare­s de segurança do local não foram garantidos. Quando chegamos a esse ponto, não estamos ao abrigo de uma catástrofe.

A seu ver, o nível de investimen­to em cultura por parte de um país tem relação com a apreciação que a sociedade faz da cultura?

Completame­nte. A maneira como uma sociedade mergulha no seu passado, se interessa e aceita suas raízes, traduz-se pelos investimen­tos em cultura em geral. Isso depende das sociedades, do que consideram­os cultura, se incluímos a história natural nesse critério – a meu ver, sim. Faz parte do patrimônio de um território. Para mim, o Museu Nacional de História Natural de Paris é tão importante quanto o Louvre, em termos de patrimônio e de arquivo histórico.

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SAMUEL PICAS/MNHN Revolta. ‘É uma parte de sua memória que foi apagada. É como se sua casa pegasse fogo’

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