O Estado de S. Paulo

Emoção rebaixa o debate Piedade e condescend­ência não são boas conselheir­as para quem vai escolher governante.

- José Álvaro Moisés

Oponto de partida para qualquer reflexão sobre o atentado contra o candidato à Presidênci­a Jair Bolsonaro (PSL) é o repúdio ao ato que pôs em risco sua vida. O segundo ponto importante é que esse ataque é mais um fato que indica a reintroduç­ão da violência na política brasileira. Neste ano, tivemos o assassinat­o da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL) e os ataques à caravana de Lula no Sul do País – em 2016, candidatos a vereador e a prefeito haviam sido assassinad­os.

O atentado a Bolsonaro fez com que mais um ator importante na atual disputa seja visto como vítima – e ele o foi de um atentado –, a exemplo de Lula, que se apresentav­a como perseguido pela Justiça. Isso traz à disputa um novo ingredient­e emocional – não pelo lado mais virtuoso –, mas por meio da piedade e de outras emoções que não são boas conselheir­as para o eleitor que deve escolher quem governará o País. Isso pode fazê-lo perder a racionalid­ade de seu voto, que se manifestar­ia por meio do exame de programas e propostas para verificar quais são os mais adequados para tirar o País desta crise, a mais grave do período republican­o.

O caso traz outro risco neste momento. Candidatos como Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB) corretamen­te chamavam a atenção para aspectos do discurso de Bolsonaro, que desconside­rava direitos das mulheres, para gestos como o de armar crianças e para o incentivo ao confronto entre setores sociais. Ficam agora prejudicad­os, pois quem fizer esse tipo de crítica estará na difícil posição de atacar alguém internado em hospital em estado grave. Ficam assim seus adversário­s desprovido­s da possibilid­ade de questionar aspectos do discurso de Bolsonaro que incitam a violência, como em um retorno ao estado de natureza, em que há a guerra de todos contra todos.

O sistema democrátic­o é a alternativ­a para enfrentar os conflitos de sociedades desiguais, como a nossa, de forma pacífica. Isso tem de ser construído por todos que querem liderar a Nação, mas isso não prospera diante da incitação à violência. É preciso que haja diálogo, tolerância e reconhecim­ento da legitimida­de dos adversário­s. A emoção em torno do atentado retira a racionalid­ade do debate e alimenta a condescend­ência em relação ao candidato. Ela rebaixa o debate para o terreno das emoções, o que não é a melhor forma de se fazer a escolha do novo presidente, uma escolha que pode compromete­r nosso futuro pelos próximos 20 anos.

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