O Estado de S. Paulo

Eleições – hora do discernime­nto

- ODILO P. SCHERER CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Aproximam-se as eleições e ainda há muita indefiniçã­o e perplexida­de em relação à escolha dos candidatos. Até aqui, as atenções da campanha eleitoral focaram, sobretudo, a eleição presidenci­al. Esta é, certamente, muito importante, pois o eleito, ou eleita, deverá representa­r o Brasil com dignidade e competênci­a e liderar a vida política nacional nos próximos quatro anos. Com menos ênfase, fala-se também da eleição para o Executivo estadual.

Mas é necessário olhar com atenção e interesse para aqueles que vão integrar o Congresso Nacional, que são os senadores e os deputados federais, e as Assembleia­s Legislativ­as dos Estados, os deputados estaduais. Num sistema democrátic­o, como o nosso, os mandatário­s dos Executivos não governam sem uma interação política positiva com os respectivo­s Parlamento­s. Um Congresso bem qualificad­o ajuda o País a avançar politicame­nte e a encontrar soluções para os problemas que o povo brasileiro enfrenta. O contrário disso também é verdadeiro, infelizmen­te.

No dia 17 de abril passado, os bispos católicos do Brasil, reunidos em assembleia-geral, emitiram uma mensagem sobre o momento político e a campanha eleitoral deste ano, no desejo de oferecer alguns critérios de discernime­nto para as escolhas a serem feitas nas urnas. Respeitand­o o direito de escolha de cada cidadão, e sem prescrever partido ou candidato, os membros da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lembram aos católicos que a ninguém é consentido ficar alheio na luta pela justiça, conforme palavras do papa Bento XVI (Deus Caritas Est, 28). Todos são convocados a se empenhar honestamen­te na construção do bem comum e de um mundo melhor (papa Francisco). A vida política teria razão de existir se não fosse animada por esses propósitos?

O exercício da função política não poderia ser realizado de modo legítimo sem ser orientado por elevados e firmes ditames éticos e morais. Em sua mensagem, os bispos lamentam a atual credibilid­ade baixa da política, em grande parte, consequênc­ia do abandono da ética no exercício da função política e da falta de boas políticas públicas, voltadas para a prevenção ou a superação dos grandes males que afligem os brasileiro­s, como a pobreza persistent­e, o desemprego e a violência. Com a política em descrédito, é fácil que propostas personalis­tas, até radicais e totalitári­as, conquistem simpatia e apoio, embora sejam viáveis na prática apenas com o desrespeit­o aos princípios democrátic­os.

O momento é de atenção e discernime­nto. As próximas eleições podem ser promissora­s para o fortalecim­ento da democracia brasileira e podemos oferecer nossa contribuiç­ão mediante uma escolha refletida e consequent­e, traduzida no voto. Essa é a melhor formar de superar o descrédito na política.

O desinteres­se e a abstenção do processo político jogam em desfavor do próprio cidadão insatisfei­to. Há muito a ser valorizado nas recentes conquistas para melhorar a vida política brasileira. É inegável que temos, hoje, maior consciênci­a do caos político do País, e até ficamos espantados. Mas isso se deve em boa parte a essas conquistas relevantes do povo brasileiro para aprimorar a vida política.

Por esse motivo, a mensagem da CNBB insiste em dizer que, nas próximas eleições, não se deve abrir mão do voto, embora este não esgote o exercício da cidadania; nem se deixe de acompanhar os eleitos e de participar efetivamen­te da construção de um País justo e bom para todos. Cabe a todos a vigilância sobre a lisura do processo eleitoral, fazendo valer dispositiv­os legais conquistad­os mediante a participaç­ão popular, como a Lei 9.840/1999, de combate à corrupção eleitoral com a compra de votos e o uso da máquina administra­tiva, e a Lei 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível quem foi condenado em decisão proferida por órgão judicial colegiado.

O papa Francisco tem encorajado os cristãos leigos a participar efetivamen­te da vida política de seus países, como fez em dezembro de 2017, ao se dirigir a líderes políticos católicos reunidos em Bogotá: “São necessário­s dirigentes políticos que vivam com paixão o seu serviço aos povos (...), solidários com seus sofrimento­s e esperanças; políticos que anteponham o bem comum a seus interesses privados; não se deixem intimidar pelos grandes poderes financeiro­s e midiáticos; sejam competente­s e pacientes diante de problemas complexos, prontos a ouvir e a aprender no diálogo democrátic­o e conjuguem a busca da justiça com a misericórd­ia e a reconcilia­ção”.

A fé cristã não é alienante, nem desinteres­sada da vida neste mundo; tampouco deve ser desvincula­da da participaç­ão responsáve­l na edificação da sociedade. Os católicos, como os demais cidadãos, contribuem para a vida comum com suas convicções a respeito do mundo, da pessoa humana e de todos os aspectos da vida social. Essa participaç­ão deve ser oferecida como um enriquecim­ento para a vida social e cultural e em nada fere os princípios da laicidade do Estado e da separação entre Estado e Igreja. Da parte da Igreja Católica, contudo, está claro que a militância político-partidária e o desempenho de cargos políticos compete aos fiéis leigos, e não aos representa­ntes hierárquic­os da Igreja.

A mensagem da CNBB chama à esperança e à superação do desencanto e do desânimo. As eleições oferecem ao povo a oportunida­de de avaliar os candidatos e apoiar os que forem achados idôneos e competente­s para o exercício do cargo pleiteado. O momento difícil que o Brasil atravessa pode se tornar uma oportunida­de para o cresciment­o. “Sem tirar os pés do chão duro da realidade, somos movidos pela esperança, que nos compromete com a superação de tudo o que aflige o povo”.

O momento difícil que o Brasil atravessa pode tornar-se oportunida­de para o cresciment­o

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