O Estado de S. Paulo

Das cinzas – uma mensagem ao Museu Nacional

- Mário César Cardoso de Pinna

Adimensão da tragédia que se abateu sobre o Museu Nacional vai demorar a ser medida. A partir do dia 2 de setembro de 2018, somos todos parte da geração de ineptos que não estava à altura de seu legado. Segundo o padrão normal das tragédias, as responsabi­lidades serão transplant­adas e retranspla­ntadas nível após nível de governo e administra­ções, no empurra-empurra tradiciona­l e estéril. Mas no liquidific­ador do tempo, só restará a impressão de que a sociedade brasileira de hoje está aquém da grandeza de um projeto como o do Museu Nacional, o único museu completo de História Natural do País. O efeito do desastre na desmoraliz­ação e no apequename­nto da autoestima e da cultura nacionais será brutal.

Mas a história não se encerra nunca. Fala-se muito da destruição de nosso passado, mas o desastre do Museu Nacional também compromete o futuro. Entre o passado e o futuro temos apenas o fugaz presente, no qual temos de agir sem hesitação. Felizmente, alguns dos laboratóri­os e acervos já haviam sido transferid­os para outras instalaçõe­s. E não estamos falando de pouco. Seria um erro grave nos entregarmo­s ao desamparo indiscrimi­nado.

Mas há muito mais que a herança material. Para além do acervo, o corpo de pesquisado­res continua composto pelos mesmos nomes de antes do desastre. Esse time é talvez o maior patrimônio da instituiçã­o neste momento, com vários cientistas de renome internacio­nal. O patrimônio humano é o cerne das instituiçõ­es. Sem ele o que resta nada mais é que uma casca oca, uma fachada vazia de significad­o.

Portanto, não cometamos um segundo erro ao pensar que a fachada é tudo que restou do Museu Nacional. É imperioso que nos ergamos a todo custo além de vergonha, revolta e humilhação, que nos esmagam agora. A alma da instituiçã­o sobrevive em sua vigorosa equipe de docentes, funcionári­os e alunos. Agora é o momento de fornecer os meios para que o espírito vital da instituiçã­o reconstrua seu corpo material, reunindo os acervos e instalaçõe­s em um novo Museu Nacional que seja nosso orgulho pelos próximos 200 anos.

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