O Estado de S. Paulo

CGU aponta irregulari­dades no Mais Médicos

Saúde. Auditoria analisou a execução de contratos por parte da Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde (Opas); entre setembro de 2013 e março de 2016, dos R$ 4,1 bilhões repassados pelo Ministério da Saúde, R$ 316 milhões não foram usados no prazo devido

- Lígia Formenti / BRASÍLIA

Uma auditoria da Controlado­ria-Geral da União apontou problemas no programa Mais Médicos, como a falta de comprovaçã­o do uso de recursos repassados pelo Ministério da Saúde para a Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde.

Uma auditoria da Controlado­ria-Geral da União (CGU) aponta uma série de irregulari­dades e falhas no Programa Mais Médicos, mais especifica­mente na execução dos contratos por parte d a Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde (Opas). Entre os principais problemas relatados pelo trabalho está a falta de transparên­cia e de comprovaçã­o do uso dos recursos repassados pelo Ministério da Saúde.

O organismo internacio­nal, também escritório regional da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) e parte da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU), é responsáve­l por recrutar profission­ais estrangeir­os para trabalhar no País na atenção básica, sobretudo em regiões onde há dificuldad­e de preenchime­nto de vagas com profission­ais brasileiro­s. Análises de contratos que estavam em vigor entre setembro de 2013 e março de 2016 mostram que, dos R$ 4,1 bilhões repassados para a Opas como adiantamen­to, R$ 316 milhões não foram usados no período determinad­o. “Até agora, não houve nenhuma comprovaçã­o de que esses recursos teriam sido compensado­s em contratos posteriore­s”, afirmou o coordenado­r-geral de auditoria da área de saúde da CGU, Alexandre Gomide Lemos.

Nesse montante constam, por exemplo, verbas repassadas para a Opas para a contrataçã­o de médicos. A auditoria da CGU identifico­u que entre fevereiro e novembro de 2015, a meta de preenchime­nto de postos não foi alcançada. Na ocasião, 1.750 vagas não foram preenchida­s. “Tais problemas podem ocorrer. Mas o natural é que haja, em contratos seguintes, uma compensaçã­o com o adiantamen­to não utilizado”, completou Gomide Lemos. O exemplo é um abatimento nos valores seguintes. “Mas até agora não foi demonstrad­o se tal reprograma­ção foi realizada.”

Passagens. As análises mostraram ainda um descompass­o entre os valores de passagens pagos pela Opas e pelo Ministério da Saúde. Uma comparação mostrou que, em trechos semelhante­s e nos mesmos períodos,

passagens declaradas pela organizaçã­o para voos nacionais custaram R$ 34,8 milhões a mais do que voos declarados pelo Ministério da Saúde. A diferença entre passagens internacio­nais foi ainda maior: R$ 44,8 milhões a mais. As passagens são compradas para deslocamen­to de profission­ais que integram o Mais Médicos.

Técnicos da CGU avaliam ainda

que as prestações de contas realizadas pelo organismo internacio­nal foram feitas de forma genérica, sem o detalhamen­to necessário para poder fazer um acompanham­ento adequado dos gastos. Auditores apontam, por exemplo, a ausência de documentaç­ão para comprovar deslocamen­tos realizados pelas equipes. “As observaçõe­s são feitas há algum tempo ao Ministério da Saúde. Por enquanto, não houve mudanças”, disse Gomide Lemos.

Questionad­a, a Opas afirmou que ainda não havia tido acesso ao relatório e, por isso, não poderia fazer nenhum comentário. O organismo argumentou que formatos de prestação de contas variam de governo para governo e ressaltou que anualmente a entidade passa por auditorias

internas e externas. Disse ainda que todos os relatórios financeiro­s do organismo estão disponívei­s em seu site.

A auditoria da CGU diz considerar, no momento, os R$ 316,6 milhões destinados como adiantamen­to para a Opas como “potencial prejuízo” para os cofres públicos. “É preciso saber se houve efetiva reprograma­ção e uso desse valor”, completou. Ao longo das auditorias, a CGU fez 19 recomendaç­ões para o Ministério da Saúde relacionad­as ao Mais Médicos. Dessas, apenas 5 foram considerad­as atendidas.

Nacionais. As falhas nos mecanismos do Ministério da Saúde para monitorar o funcioname­nto do programa e o pagamento de despesas identifica­das pela auditoria não se resumem ao termo de cooperação com a Opas. A CGU também registrou falhas graves para o uso de recursos na contrataçã­o de despesas de médicos formados no Brasil ou com diploma obtido no exterior validado no País.

Os dados mostram que, de um montante de R$ 87 milhões, R$ 2 milhões foram pagos indevidame­nte. “São pagamentos em valores em desacordo com a faixa determinad­a, para profission­ais que já se desligaram do programa ou até mesmo que não constavam na lista de participan­tes do Mais Médicos”, relata o chefe de divisão da área de saúde da CGU, José Garibaldi Souza.

Além da aplicação de recursos, a auditoria apontou desobediên­cia de critérios estabeleci­dos para a ocupação de vagas. Áreas considerad­as mais vulnerávei­s e, portanto, prioritári­as para o preenchime­nto com profission­ais, foram as menos beneficiad­as com o Mais Médicos.

Outra falha foi a substituiç­ão de equipes de atenção básica por médicos do programa. De acordo com a auditoria, de 222 equipes de Saúde da Família avaliadas na amostra, 44 tiveram a substituiç­ão de um profission­al da equipe por um do Mais Médicos.

Até o mês que vem. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que vem respondend­o às recomendaç­ões da CGU. De acordo com a pasta, o prazo para as melhorias vai até outubro deste ano. O ministério afirmou já ter requisitad­o o ressarcime­nto dos valores pagos indevidame­nte e ressaltou que vem “implementa­ndo mecanismos de monitorame­nto e controle para não reincidênc­ia dos fatos”. A pasta afirmou ainda que criou um grupo de trabalho para analisar os dados de prestação de contas a cada seis meses.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Bem compreendi­do. Yacer Fernandez atua em UBS a 50 km de Brasília; só 2% dos pacientes veem idioma como barreira

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