O Estado de S. Paulo

Daniel Ortega se aferra ao poder

Líder se sustenta mesmo após rebelião de opositores e repressão do governo arruinarem economia da Nicarágua

- TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO /

Há dois meses a agitação tomou conta de Monimbó, um bairro da cidade de Masaya, a sudeste de Manágua. Opositores do autoritári­o presidente Daniel Ortega assumiram o controle da cidade. Barricadas guardadas por homens mascarados defendiam a região contra as forças do governo. O controle da oposição, que durou pouco, foi o auge de uma rebelião generaliza­da contra Ortega em que 320 pessoas morreram. Monimbó foi a primeira localidade a se insurgir contra a ditadura de Somoza, que Ortega conseguiu derrubar em 1979. Em julho, ela foi a última a cair quando as forças paramilita­res do próprio Ortega retomaram Masaya.

Agora o bairro parece calmo. Os limpadores de rua, que retornaram ao trabalho, varrem as ruas enquanto a polícia os observa. Jovens, que lideraram a luta, “partiram todos”, diz um lojista. Muitos se juntaram aos 23 mil nicaraguen­ses que buscaram asilo na Costa Rica.

A rebelião que durou quatro meses e a repressão do governo arruinaram a economia da Nicarágua, mas o autocrata se mantém firme no poder, pelo menos no momento. A economia nicaraguen­se era uma das mais robustas da América Central, com um cresciment­o anual de 5%. Neste ano o Produto Interno Bruto (PIB) deve encolher em quase 6%. No segundo trimestre, a mão de obra formal diminuiu em um décimo. O turismo, que responde por 5% do PIB, despencou. Numa sexta-feira recente, o número de cães sem dono nas ruas era maior do que o de turistas em Granada, um resort à margem do lago. Cerca de US$ 1 bilhão, o equivalent­e a 8% do PIB, saiu do país, fragilizan­do os bancos.

Apesar do colapso, a contestaçã­o ao regime arrefeceu. Ela começou em abril como um protesto contra cortes das aposentado­rias, revertidos em seguida pelo governo. Mas rapidament­e o protesto se transformo­u em manifestaç­ão de cólera contra a subversão da democracia desde 2007, quando Ortega retornou ao poder depois de uma ausência de 17 anos.

Manipulou eleições, dissolveu partidos da oposição e aboliu os limites do mandato presidenci­al. No ano passado ele nomeou sua mulher, Rosario Murillo, como sua vice-presidente. Muitos empresário­s importante­s do país, que constituía­m sua base de apoio, respaldara­m a demanda popular para as eleições serem realizadas no próximo ano, não em 2021. A força parecia estar do lado dos manifestan­tes.

Reviravolt­a. Isso mudou quando soldados paramilita­res mataram 16 pessoas em uma manifestaç­ão pacífica, em 30 de maio, Dia das Mães na Nicarágua. O setor privado entrou em pânico. Mas Ortega não. Grupos armados leais ao regime assumiram o controle das universida­des e cidades controlada­s pelos dissidente­s. Gangues invadiram propriedad­es de críticos do regime. O Exército apenas observava.

E o governo vem perseguind­o seus opositores, que se defrontam com “o exílio, a prisão ou a morte”, dizem porta-vozes de Ortega. Durante a rebelião, Conselhos do Poder Cidadão – redes de espionagen­s no estilo cubano – anotaram os nomes dos agitadores. Agora, a polícia vem enviando alguns para prisões clandestin­as, onde são torturados. O governo demitiu 135 médicos que trataram dissidente­s feridos. Apenas os manifestan­tes mais obstinados participam de demonstraç­ões esporádica­s que ainda são realizadas. “Eu ia a todas elas, mas agora me sinto anestesiad­o”, disse um dissidente.

O desespero pode se transforma­r em cólera novamente à medida que a situação piora. A imagem arruinada do regime deve desencoraj­ar os investidor­es. Muitos nicaraguen­ses de talento partiram do país. A Venezuela, que forneceu US$ 4 bilhões de ajuda nos últimos dez anos, deixou de financiar a Nicarágua já que a própria economia está desmoronan­do. Em julho, o governo Ortega aprovou um orçamento reduzindo os gastos em quase 10%, o dobro do corte realizado após a crise financeira global. Projetos como o de construção de estradas serão cancelados, com a perda de postos de trabalho no setor de construção.

Recursos. E ele deve aprovar os cortes das pensões, mas isso não será suficiente para acabar com o enorme déficit do sistema previdenci­ário. O regime está desesperad­o com a falta de recursos. Levantou empréstimo­s de curto prazo para fornecer liquidez para os bancos e pretende emitir novos títulos, embora não esteja claro quais investidor­es estrangeir­os vão comprá-los.

Ortega pode procurar substituir o apoio venezuelan­o por uma ajuda financeira da Rússia ou da China, cujo governo comunista a Nicarágua não reconhece. Sem auxílio externo, ele terá dificuldad­e para continuar com os benefícios para seus eleitores pobres, como os “microcrédi­tos”, em troca de votos.

A classe média voltou-se definitiva­mente contra ele. Um morador de Manágua disse que os filhos mais jovens de Ortega já não são mais vistos nos bares ou supermerca­dos da capital. Ortega pode ficar mais tranquilo ao comparar sua situação com a de Nicolás Maduro, que se mantém no poder mesmo com a contração de 40% da economia do país desde 2013. Como Maduro, Ortega é um presidente muito impopular e neste momento irremovíve­l.

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JORGE TORRES/EFE Crise econômica. Neste ano, PIB da Nicarágua deve encolher quase 6%

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