O Estado de S. Paulo

Trapalhada­s com as contas públicas

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Ciro Gomes continua afirmando que o maior problema da despesa pública é a financeira, uma vez que correspond­e a aproximada­mente 50% do total de gastos da União. Trata-se de uma leitura equivocada de um dos muitos quadros que acompanham o Projeto de Lei Orçamentár­ia Anual (Ploa). O pior é que essa tolice vem sendo repetida por jornalista­s, vários políticos e se espalhou pelas redes sociais. Virou verdade. E não é inócua. Confunde, tira o foco dos verdadeiro­s problemas e causa calafrios nos credores do governo, a saber, grande parte da população que detém, direta ou indiretame­nte, títulos públicos, e não só no “baronato”.

Dado que se baseia em documento oficial, por que tal conclusão seria tola? Porque é preciso saber ler corretamen­te as informaçõe­s e não as tomar a valor de face.

Pelos números citados, deve ter sido utilizada a execução orçamentár­ia de 2016. Para facilitar as comparaçõe­s, farei o mesmo, embora os dados de 2017 já estejam disponívei­s. Estes favoreceri­am ainda mais os argumentos do candidato, se sua análise fizesse sentido.

Na linguagem do orçamento público, toda entrada de caixa é tratada como receita e toda saída, como despesa. Esse conceito não é útil para analisar a situação econômico-financeira de qualquer instituiçã­o, tampouco do governo. Por exemplo, o pagamento do principal de uma dívida (amortizaçã­o) não é uma despesa, mas sim uma mutação patrimonia­l. Perde-se disponibil­idade de caixa, mas reduz-se um passivo (dívida), no mesmo montante.

No caso do setor público, não é possível, nem seria recomendáv­el, quitar de vez toda a dívida vincenda em um exercício. Se para fazer isso o governo utilizasse parte de suas disponibil­idades na conta única que mantém no Banco Central, geraria excesso da oferta de reais na economia e a autoridade monetária teria de regular a liquidez mediante venda de títulos em operações compromiss­adas. O resultado seria apenas o encurtamen­to do prazo da dívida pública. Ou seja, a dívida vincenda deve ser rolada. E o valor desse refinancia­mento aparece no mesmo quadro orçamentár­io, dentro de “receitas financeira­s”, mas foi sumariamen­te ignorado pelo candidato.

Por certo, dada a grave situação atual das contas públicas, o principal objetivo é estabiliza­r, e posteriorm­ente reduzir, a relação dívida/PIB. Mas isso depende do superávit primário, do juro real e da taxa de cresciment­o da economia. Tampouco o juro nominal é importante, pois este só atualiza, pela inflação, o saldo da dívida, como o faz com o valor nominal do PIB.

Portanto, somar amortizaçã­o do principal, juros nominais e reais e despesas não financeira­s num só bolo, e sair tirando participaç­ões porcentuai­s de cada item na tal “despesa total”, é uma atrocidade analítica. Vamos a alguns números relativos a 2016.

A despesa primária da União foi de R$ 1,23 trilhão. Desse total, os benefícios pagos apenas pelo Regime Geral da Previdênci­a Social (RGPS) correspond­eram a R$ 510 bilhões, ou 41,5% do total. Se ampliarmos essa classifica­ção para o que chamo de benefícios de

Candidato do PDT comete terrível erro de diagnóstic­o que, se levado a sério, poderia custar caro ao País

natureza previdenci­ária, incluindo inativos da União, o abono e o segurodese­mprego e o benefício de prestação continuada, chegaremos a R$ 725 bilhões, nada menos que 59% da despesa primária total. Pessoal, sem inativos, absorveu R$ 148 bilhões, 12% do gasto primário.

Se adotarmos o conceito de embolar despesas primárias, amortizaçã­o do principal e juros nominais e reais, a despesa total praticamen­te dobra e as participaç­ões das rubricas citadas desmoronam, a saber: RGPS, 20,9%; benefícios de natureza previdenci­ária, 29,7%; e pessoal (sem inativos), 6,1%. Com esses números, as reformas fiscais, principalm­ente da Previdênci­a, perdem importânci­a. É um terrível erro de diagnóstic­o que, se levado a sério, poderia custar caro ao País.

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil